Acompanho com bastante atenção os estilos dos diversos atletas de powerlifting que vejo competindo. Por “estilo”, me refiro a um conjunto de comportamentos e atitudes que caracteriza a participação daquele atleta em competição. Observo como comentarista, pelo site de esportes de força que mantenho (Portal do Ferro), e também como atleta.
Existe um conceito interessante na vida acadêmica chamado “academic age”. Nos Estados Unidos, os currículos não exibem a idade da pessoa, e sim o ano em que obteve o título mais alto. É a partir daí que se começa a contar a vida profissional do sujeito. Na terra do “politicamente correto”, isso é uma salvaguarda contra o preconceito etário. No mundo do bom-senso, faz sentido que a maturidade em qualquer prática técnica não corresponda à idade cronológica, e sim ao tempo que se tem de “iniciação” naquilo.
Assim, aplicado ao powerlifting, minha “idade esportiva” é de neném (competi pela primeira vez em agosto do ano passado e fui apresentada a uma barra olímpica, a um banco de supino e a um suporte de agachamento quatro semanas antes). E como criança, me cabe observar os mais maduros como exemplos a emular ou a rejeitar.
Existem dois atletas cujo estilo eu realmente admiro: quando eu “crescer”, quero ser igual a eles. Um é Lurdes Rodrigues, da GCA de São Paulo. Ela tem diversos títulos, quebrou alguns records, e atualmente é o melhor agachamento do país. No entanto, não é bem isso que me impressiona. O que me impressiona é o estilo: em competição, ela é inteiramente centrada. Não sorri, não grita, não se agita. Senta, quieta, com os olhos semi-cerrados, esperando ser enfaixada (para agachar) ou ter sua camisa ajeitada. Quando aguarda ser chamada ao tablado para o Terra, se coloca silenciosa, de cabeça baixa, na frente da bacia de magnésio, como se estivesse fazendo uma oferenda ritual. Durante os nove movimentos que compõem uma competição de powerlifting, ela só manifesta emoção no último Terra (quando termina a seqüência). Até lá, ela permanece sóbria, concentrada. É das poucas atletas que vi diversas vezes realizando 9 (todos) movimentos válidos – coisa raríssima neste esporte. Lurdes entra com as metas claras, realistas, e cumpre seus objetivos.
Daniel Nacle, da equipe Marcelo Aló, de São Paulo, é meu segundo exemplo. Como Lurdes, ele permanece quieto durante as competições. Sem nenhuma grossura, se isola em sua concentração. Tenho fotografias de Daniel entrando no tablado. Seus olhos são determinados, não agressivos e nem assustados. Olhos de quem vai muito certo do que vai realizar. E é exatamente o que faz: entra, se coloca corretamente sob a barra e agacha. Ou supina. Ou levanta a barra. Também o vi realizar 9 movimentos válidos – e comemorar, uma das vezes o título máximo do continente (campeão sul-americano open da categoria até 125kg), apenas depois do último Terra.
Tenho dezenas de exemplos de atletas sensacionais, cujos feitos acompanho e admiro: Luciano, Erica, Cátia, Eric, Maccari, entre outros. Mas o que comento aqui é o estilo, o “jeitão”. Lurdes e Daniel têm o estilo que eu gostaria de desenvolver, ou buscar.
Não sei se é possível. Conheço Lurdes bem, fora do tablado. Somos amigas. Ela é um pouco deste jeito na vida. Centrada, concentrada, firme sem forçar a barra. Eu não sou assim: sou descontrolada, meu humor oscila mais que um pêndulo e tenho déficit de atenção. Será que alguém assim, para quem a mosca na janela é uma séria distração para um relatório ou leitura chata, consegue desenvolver um estilo tão centrado? Quase budista, quase yogue?
Daniel conheço mais de tablado e trocas eletrônicas. Não treino ou trabalho com ele. Não sei se ele é essa perfeição comportamental no resto da vida. No tablado, não podia ser melhor.
Existem mil outros estilos, que vejo entre atletas que conheço e em vídeos de atletas de outros países. Existem aqueles que só entram no tablado muitíssimo excitados, gritando, hiper-ventilando, provocando voluntariamente um aumento na produção de adrenalina. Existem outros que entram agitados e, se falham, choram, ou gritam, ou xingam. Muitos grandes atletas têm estes estilos.
Mas não são os estilos que eu gostaria de desenvolver. Estes outros estilos me parecem ter um custo emocional exagerado e também gerar muita imprevisibilidade: muitas falhas desnecessárias, desempenhos muito irregulares.
No momento, é bem assim que eu sou: imprevisível. Na competição, cometo erros bobos ou óbvios. Seria pelo efeito ansiogênico da competição? Acho que não: também sou imprevisível no treino. Na verdade, tudo isso é incrivelmente novo para mim. Ter FORÇA é incrivelmente novo. Esse nível de força. Me fascina tudo nesse universo: dos aspectos mais técnicos (fisiologia da força máxima, biomecânica dos movimentos e os aspectos neurais – esses são minha paixão) até eu mesma, observar meu corpo em transformação, adquirindo poderes que nunca imaginei possíveis.
No treino, dou risada às vezes: uma carga ridícula pode não subir porque ainda não saco direito o ponto de descida no peito, enquanto uma carga de record sobe com facilidade. Mas hoje me descontrolei: por uma reação estranha da minha pele que se inflama muito rápido e de forma intensa, não tenho conseguido nada no levantamento Terra. Não só nada: tenho apenas piorado. Depois de pouco treino, tudo que toco parece metal incandescente. Isso vem acontecendo há meses, mas hoje deu o meu limite: frustrada, gritei, tive vontade de chorar e de nunca mais olhar para uma barra de Terra.
Pensei nos meus dois “exemplos”. Não combina. Me dei conta de que uma das coisas que mais gosto no estilo deles é a forma serena com que lidam com frustração. Pode ser que por dentro eles tenham a mesma vontade de mandar tudo para o espaço que tive hoje, mas desenvolveram uma maneira de controlar esse impulso e, com isso, crescer como atletas e obter prazer e recompensa no esporte.
Tenho esse estilo como meta e fico pensando em como atingi-la. Talvez eu deva incluir yoga entre meus exercícios auxiliares.
Marilia