Grups: sobre ter 40 anos hoje – parte 1

Hoje peguei a Folha no quintal e achei essa matéria sobre Grups, por Heloísa Helvécia. Na capa, o produtor Marco Rocha, de 38 anos. Nas folhas, uma porção de homens e mulheres mais ou menos da minha idade, caracterizados pela reportagem como GRUPS. O termo veio de um episódio de StarTrek onde a Enterprise interage com um planeta onde só existem crianças. Elas se referem à equipe do Capitão Kirk como “grups”, que é uma corruptela da expressão inglesa “grown-ups” (adultos).
Os grups foram descritos na reportagem como quarentões que mantém hábitos considerados próprios da juventude, especialmente no que se refere à aparência (vestimenta, corte de cabelos, etc.) e gosto musical.
Questões como a coincidência de hábitos com os próprios filhos e o estranhamento que eles causam na “sociedade de modo geral” (society at large) apareceram nos depoimentos dos entrevistados.
Assim como a excelente reportagem de Adam Sternberg, do New York Times “Up with the Grups” (3 de Abril, http://newyorkmetro.com/news/features/16529/index.html ), a reportagem da Folha insiste que esse segmento não busca se apegar a uma suposta juventude que lhe escapa, e sim re-definir o que é ser adulto em nossa sociedade.
Segundo Sternberg, “Being a Grup isn’t, as it turns out, all about holding on to some misguided, well-marketed idea of youth—or, at least, isn’t just about that. It’s also about rejecting a hand-me-down model of adulthood that asks, or even necessitates, that you let go of everything you ever felt passionate about. It’s about reimagining adulthood as a period defined by promise, rather than compromise. And who can’t relate to that?”.
Grups representariam, segundo o autor, a primeira chance na história de se eliminar o famoso “generation gap” – abismo generacional.

Quem me conhece pode imaginar o quanto me identifiquei com esse conteúdo. Coincidentemente, andei discutindo estas questões com minha filha de 16 anos esses dias. Ela queria entender minha rejeição ao discurso pasteurizado das pessoas da minha geração e ligeiramente mais velhos, onde o mundo é uma merda, a vida é uma merda e tudo, desde a dor de barriga até a pulga dos cachorros é culpa da administração do PSDB. Tudo de bom, tudo que vale a pena é empurrado ou para aquele passado quando fumávamos maconha no CRUSP e sonhávamos com utopias, ou para um futuro do pretérito em que haveria uma sociedade mais justa. Todos reclamam de suas frustrações profissionais (mas no fundo defendem as hipocrisias institucionais politicamente corretas, como as governamentais); as mulheres amargamente reprovam a “estética dominante” enquanto silenciosamente abominam sua flacidez e bunda caída; os homens buscam desesperadamente re-afirmar sua suposta genialidade niilista, último resquício de uma superioridade de gênero que eles perdem a cada dia e todos fazem coro contra a mídia, o governo e tudo mais.
É uma geração amarga. Uma geração que está detestando amadurecer, mas que não tem coragem o suficiente para re-inventar a maturidade.
Olho esses meus amigos e fico pensando como foi com as gerações anteriores. Sempre me parece que era mais tranquilo para eles. Iam passando de fase em fase, assumindo os novos papéis de maneira dócil e sem espernear, até a velhice e morte em vida. As mulheres se casavam aos vinte e poucos e muito rapidamente já não tinham mais nenhum traço de erotismo em sua aparência ou gestual. As perdas sexuais que obviamente deviam acompanhar essa transição talvez fossem até bem-vindas. Mas esse horror pessoal fazia parte de um contexto muito hegemônico e, portanto, muito fácil de aceitar.

Quando Sternberg afirma que somos o primeiro segmento que propõe a sociedade um novo modelo para o amadurecimento, talvez esteja identificando, sem saber, um momento histórico em que o desconforto com essa aniquilação de nós mesmos que as “passagens” da maturidade provocam pode ser assumido. E que alguns de nós – só alguns – por motivos variados, puderam transformar em ação.

Fiquei pensando em que momento eu perdi o bonde do amadurecimento padrão. E dos vários modelos alternativos, que cada vez mais me parecem tristemente versões duras e perversas deste padrão. Sei lá… Talvez aos poucos, ao longo dos períodos de isolamento que minha desordem mental provocava. Talvez um pouco pelos meus homens, dos quais tive desde os 30 anos mais velhos até os 15 anos mais jovens. Talvez pela minha filha, que é a criatura mais próxima que tenho. Finalmente, talvez por eu ter mais ou menos morrido e, na sobre-vida que conquistei, as coisas antigas não serviram mais tão bem.

No entanto, parece que essa condição toda só fica dramática na simbólica passagem dos 40. Uma das entrevistadas da Folha, Cláudia Briza, expressa essa percepção dizendo que achava engraçado ver que ela mesma não se percebia muito mudada e que de repente, aquilo que era aceito aos 20 ou 30 anos, vira “moderno” e estranho aos 40. Para mim, essa mudança na percepção externa foi tão gigantesca que me empurrou para longe dos meus pares.

Eu tenho 43 anos. Como sou atleta, meu corpo não parece com nada de cronológico, é apenas um corpo de atleta. Pelo menos é o que eu acho. Não tenho muita gordura corporal, tenho bundona e músculos visíveis. Por algum motivo que não sei qual é, também não tenho muita flacidez na pele. Assim, sem adereços, as pessoas não conseguem me situar muito acima dos 30 anos. Com adereços, a coisa piora: tenho 12 piercings nas orelhas, piercing no nariz, na boca e no umbigo; uso jeans, botas e regatas o tempo todo; não uso maquiagem. Quando eu revelo minha idade, tenho sempre uma reação de surpresa seguida de duas respostas distintas: uma benigna, em que o interlocutor identifica algo que eu achei que ele também gostaria de ter e pede dicas. Algo como “putz, gostei da sua blusa, onde você comprou?”. A outra é a mais comum entre mulheres acima dos 30 e é tão tóxica que aprendi a fugir dela: ódio. A expressão do interlocutor muda, as palavras se tornam agressivas e ele busca freneticamente encontrar algum ponto de superioridade em relação a mim. Uma situação típica aconteceu há umas semanas num salão, enquanto eu fazia as unhas. Sentou-se uma mulher um pouco mais nova que eu e visual sóbrio, conservador. Assumidamente “madura”. Era dentista. Me olhou com superioridade e ficou na dela. Em algum ponto da conversa, a manicure perguntou minha idade e eu revelei. A expressão da mulher mudou, me olhou com reprovação e passou a falar com autoridade sobre o assunto comum, que dizia respeito a escolhas de carreira. Deixou bem claro que era uma profissional prestigiada e bem-sucedida, com boa formação acadêmica. Alí estava: perdia em beleza e vitalidade para mim, mas era profissional e intelectualmente superior, esse era o prêmio pelo sacrifício feito no altar da maturidade. Abriu mão da beleza, do sexo, do corpo, da vitalidade, da diversão, do prazer da relação com pessoas de todas as idades, mas ganhou em prestígio. Lá pelas tantas, me enchi e fiz algo muito cruel: revelei meu currículo. O que presenciei não foi nada bonito. Ela parou de falar e começou a tremer. Tremia de ódio, de revolta ou sei lá de que. Eu materializava algo terrível: afinal, ela abriu mão de tanta coisa por… nada??

Aprendi a ficar quieta, a não revelar minha idade a estranhos. Não gosto dessa hostilidade e prefiro que me classifiquem da maneira que for mais confortável.

Esse é o aspecto da aparência, explorado nas duas reportagens. Existem outros, que nenhuma das duas explorou, mas que são igualmente reprovados pela “society at large”. Um deles é o profissional.
Fiz uma carreira acadêmica de 20 anos, razoavelmente bem-sucedida. Para minha geração de cientistas sociais, estou entre as que mais publicaram no exterior, mais apresentaram trabalhos em conferências internacionais e mais impacto tiveram. No entanto, por diversos motivos, me enchi desse caminho. Acho que já deu, passei meu recado. Falei o que queria falar sobre o papel da ciência em sociedades em desenvolvimento, sobre a identidade Latino-americana e sobre a natureza do conhecimento científico. O que eu tinha de novo para dizer, coisas que ninguém disse antes, já publiquei. Quem quiser ler, está no mundo.
Nada me atrai nos aspectos institucionais da carreira acadêmica. É nojenta, hipócrita, violenta e endurecida.
Ou seja: considerei esse caminho percorrido. Fiz – fiz mais do que a maioria faz em uma vida inteira de carreira, até a aposentadoria –, curti o que tinha que curtir e agora chega.
Criei esse blog e passei a expressar minhas idéias sem as restrições impostas por pareceristas ou editores. Foi a coisa mais libertadora em toda a minha trajetória intelectual.
Passei a me dedicar a outros interesses, fundamentalmente aqueles ligados ao treinamento de força. Uma hora isso virou opção profissional, comecei a dar consultorias e, há menos de um mês, recebi e aceitei o convite do Mauro para ser sócia da academia X-Force. Nunca me senti tão realizada profissionalmente e poucas vezes fui tão feliz na vida. Talvez nunca.
Não é legal?
Bem, não é o que acham vários dos meus pares. Fui bastante reprovada pelos caminhos que adotei. Porra-louquice é o mínimo de que fui acusada. Alguns me tratam como traidora. Outros tentaram, por um tempo, insistir na versão “fracassada” para minha relação com o mundo acadêmico e a universidade. Ao não conseguir sustentar mais essa representação, já que a minha vida está muito mais em ordem do que antes, resolveram me ignorar.

Acho que só quem me entende, entre meus pares, é minha amiga Teté, outra mulher de 40 e poucos anos tranquila com sua condição. Ela é uma profissional muito bem sucedida que também, por inúmeros motivos, resolveu inovar – e inovar pra valer. Ela pode fazer isso: os 20 anos de experiência que ela acumulou construindo ferramentas técnicas dão a ela essa possibilidade única, que ninguém das gerações anteriores ou que nos seguem ainda têm. Só posso adiantar que é em comunicação – o resto é segredo. Ela é a única de nós com um relacionamento estável e bom. Ela tem um filho adorável, sensacional. Ele a chama de “Teté” – não há distância entre eles. Teté mora numa casa que expressa as noções de conforto, estética e acolhimento dela (também sensacional). Usa jeans, poncho e cabelão solto e cacheado. É bonita, se fotografa, se deixa fotografar. Não se entope de comida, nem de álcool, nem de droga, como a maioria dos nossos pares. Não acha a vida uma merda. Chora quando lhe estouram o saco, ri quando lhe contam piadas. O que há de errado nisso?

Não sei, mas nos sentimos todos transgressores. No começo, sentia como se tivesse que pedir desculpas. Depois, como se tivesse que escancarar para o mundo minhas opções. Agora acho que nem um, nem o outro. Acho que é natural sermos a princípio estranhados e rejeitados, mas tenho a impressão de que estamos construindo algo bom. Se der certo, uma herança e tanto para nossos filhos e nossos amigos mais jovens. Uma opção que não tivemos, e tivemos que inventar…

Marilia


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