BIP: A condição bipolar e as drogas recreativas

Bipolares historicamente enfiam o pé na jaca com droga recreacional. O belíssimo livro de Kay Jamison, “Touched with Fire”, que discute a vida de artistas bipolares nos dois últimos séculos mostra que há um padrão nesse comportamento. Em primeiro lugar, o bipolar procura aplacar a dor e a angústia de seus estados alterados de alguma forma, e a mais fácil e disponível socialmente é a droga. Pelos relatos de Jamison, boa parte dos bipolares célebres como Edgar Allan Poe ou Balzac abusavam de ópio e álcool.

As estimativas relativas ao uso de drogas recreativas entre bipolares são variadas segundo os estudos, mas não há dúvida que há maior prevalência no uso delas por esta categoria de diagnóstico (www.bodystuff.org/bipolaredrogasbibliografia.html ). Os estudos cuja metodologia parece mais consistente mostram que bipolares buscam drogas que aliviem a angústia. Drogas, portanto, que deprimem o sistema nervoso central. como álcool e benzodiazepínicos (valium, lexotan, rivotril, etc.). Um dos estudos sugere a interessante hipótese que os bipolares diagnosticados como tais após longo uso de álcool (e são bipolares onde a doença aparece mais tarde na vida) façam parte de uma categoria especial onde a droga de fato dispara a instalação da doença.

Dados relativos a maconha são muito controvertidos. Estudos sérios sugerem que seu uso pode encurtar as fases de depressão e prolongar as de hipomania, tendo, de maneira geral, um efeito mais positivo sobre o paciente. Outros estudos contestam tais conclusões.

Minha experiência pessoal mostrou que o uso de quase todas as substâncias psicoativas recreativas é perigoso e pode ter conseqüências catastróficas. Ressaca, para mim, é algo do que tenho muito medo, pois inevitavelmente traz junto um descontrole sobre pensamentos destrutivos e até mesmo ideação suicida. Ressaca é o que sobrou de depressão depois que nunca mais tive uma.

Maconha foi variado. Tive um longo período de uso tão sistemático que hoje sei que houve dependência, mas uma dependência controlável. Parei e parava por longos períodos. Tenho convicção de que houve dependência porque me lembro da irritação que senti uma vez quando não encontrei o traficante que me venderia a droga. Mas isso foi há décadas e há muito tempo não uso essa substância, nem pretendo fazer nenhum “experimento” com seu uso.

Algo que nunca experimentei e jamais experimentarei é bala (êxtase). O motivo é simples: mesmo que a formulação varie muito, o efeito da bala é depleção de serotonina no espaço inter-sináptico. A conseqüência disso, eu sei, é uma mega-master-super-hiper-depressão. E isso eu não posso me dar ao luxo de que aconteça. Acredito que a depressão da ressaca de álcool tenha algo de semelhante do ponto de vista neuro-químico.

Eu, pessoalmente, nunca tive problemas com drogas estimulantes. Na verdade, tenho uma experiência que não consegui entender até hoje com cocaína: não me faz efeito algum. Experimentei pela primeira vez aos 17 anos. Vendo todos em volta com olhões arregalados, mas sabendo que era uma época em que o mercado estava inundado por substância falsa, pensei: “efeito placebo: todos estão loucos por auto-indução”. A segunda vez foi poucos anos depois (por algum motivo, não tive vontade de experimentar novamente antes, embora todos usassem). Foi igual. Olhei em volta e achei que todos tinham se auto-sugerido a ficar doidos, menos eu, que era mais esperta. Da terceira vez, me ocorreu que eu não era mais esperta, apenas completamente não-reativa à cocaína.

No meu esporte, muita gente usa efedrina. Já tomei efedrina com amigos e os vi excitadíssimos, tremendo. Eu, nada. Uma vez, muito cansada, tomei 50mg e, vendo que não conseguia “pegar no tranco”, fui para o sofá da academia e dormi. Então, efedrina também não tem muito efeito em mim.

Já anfetamina tem, e muito. Mas não tenho ressaca. O dia seguinte é um dia normal e os subseqüentes não são alterados.

Não sei por que isso acontece comigo. Com outros amigos bipolares, vi resultados horríveis. Ressacas de cocaína que me deram medo, tamanha a depressão. Uso descontrolado, onde o sujeito cheira até não agüentar mais. Tragédias esperando acontecer, pois uma over-dose num contexto desses é tiro e queda.

Por todos esses motivos, acho que droga recreativa é ao mesmo tempo uma tentação e um dos piores perigos para um portador da condição bipolar. Tudo pode acontecer com um uso que quase sempre será abusivo. Desde nada (com muita sorte), passando por uma over-dose, até o disparo de uma crise de mania ou depressão.

Essas coisas são fatos bem documentados.

A decisão é sua.

 

 

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