Gastadores X Guardadores

Isso não é um artigo técnico. Para isso procurem o Paulo. Isso é um depoimento. Aliás nem sei quem inventou esse negócio de gastador e guardador, acho que foi o Paulo. Minto: quem inventou isso foi a seleção natural, o Paulo definiu apenas.

Eu não sei para que servimos nós, gastadores. Evolutivamente, nem consigo imaginar como uma combinação gênica tão desajustada se fixou na população. Um gastador basicamente é um sistema de eficiência baixíssima: come pra caralho e gasta pra caralho.

Ser um gastador é triste. E embaraçoso. É triste porque o foco da nossa atenção é o tempo todo a comida, exceto se houver abundância dela há menos de 10m de onde estamos. Caso contrário, no fundo da mente há sempre aquela ansiedade. Pois sabemos que logo mais os processos em andamento no contexto (sejam eles pessoas falando, um texto em elaboração, uma prova sendo escrita, um carro dirigido) perdem o significado e em mais dez minutos perdem até mesmo o foco. Só o que importa é obter comida, e rápido. A cabeça começa a ficar pesada, a angústia forrageira vem bombando e sabemos que se não for satisfeita o passo seguinte é aquele sono e fadiga malignos, depois do qual se desmaia. Ou se capota em algum canto.

Um gastador envergonha os amigos e familiares. Num batizado, num funeral, numa celebração formal, é inevitável que um gastador precavido abra a mochila/bolsa/pochete/whatever e tire algum item comestível de dentro dela. Se tiver sorte, não fará “CRAACCCKKKK” ao se mastigar. Em geral faz algum barulho, mesmo como todo o nosso esforço com a musculatura da boca para manter silêncio durante a mastigação. Se o gastador não tiver sido precavido e não tiver levado comida, a vergonha é ainda pior, pois chegará o momento inescapável em que teremos que declarar a alguém: “ESTOU COM FOME”.

Como esta frase é basicamente o que nos caracteriza, em geral recebemos olhares de enfado e ressentimento contido (de amigos e familiares – estranhos podem até nos ridicularizar). Respostas irônicas como “claro, estava demorando” ou “é mesmo? Alguma coisa nova?” são comuns.

Cedo ou tarde nossos companheiros/namorados ficam também de saco cheio, pois toda a atividade a dois é pontuada por alguma refeição a cada duas horas (ou três, ou duas e meia). Momentos de extremo romantismo podem ser seguidos de uma corrida rápida à cozinha numa manifestação horrível de desespero forrageiro, também apelidado de larica. Mesmo que não tenhamos usado maconha há anos (ou nunca na vida). Sexo causa hipoglicemia, sabiam?! E nós temos FOME!!

Neste dia dos namorados, se você namora/é casado com um gastador, mostre seu amor e dê comida a ele/ela a cada duas horas.

Marilia

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