Manifesto anti-heróico

Nenhum levantador de peso é heróico ou mais forte porque suporta dor em seu treino: nosso limiar de dor é (fisiologicamente) muito mais alto e, desde que a dor não nos tire da competição, ela é irrelevante.

Ninguém é heróico ou abnegado porque desenvolveu um novo modelo para estatística de pequenos “n”s em sua livre-docência: se foi bom mesmo, se acrescentou algo muito útil, foi uma combinação de tesão e sorte .

Ninguém é heróico ou genial porque defendeu sua tese aos 25 anos: foi falta de obstáculo, tesão e campo certo na hora certa.

Ninguém é heróico ou tem excepcional força interior porque enfrentou uma doença letal de uma maneira inovadora: ao contrário dos milhares que não o fizeram, as circunstâncias deram a ele a chance de não ser esmagado pelo mainstream médico e farmacêutico.

Ninguém é heróico porque fez uma dieta rigorosa, desagradável e chata com a finalidade de produzir em seu corpo modificações estéticas: simplesmente prova que queria vencer um campeonato ou que valoriza extremamente a forma.

Hardcore é um termo bobo para descrever um treinamento que, por definição do conceito de treinamento, é adequado ao nível de adaptação dele.

No pain, no gain é uma expressão sem fundamento, ilógica e empiricamente vazia: não existe nenhuma relação causal entre dor e resultados em performance.

Para um atleta, ignorar dor e desconforto só prova que sua motivação e recompensa emocional (felicidade, prazer, transcendência) obtida do esporte é tão grande que a dor se torna irrelevante. Isso não faz dele alguém melhor. Ele simplesmente foi bem sucedido em encontrar um caminho que o faz feliz.

Se a lesão estragar alguma ambição muito séria (um grande campeonato), ele chorará como uma menininha ou então destruirá mesas e cadeiras (com sorte). São as fases estudadas da reação emocional à lesão. Pura psicologia esportiva.

Pobre da sociedade que precisa de heróis para valorizar quem faz as coisas bem feitas. Pobre da sociedade que precisa associar realizações e excelência a sacrifício e sofrimento, vítima da mais superficial versão do moralismo judaico-cristão.

Pobre de vocês todos que se chocarão em entender que fazemos o que fazemos não por nenhum estoicismo ou altruísmo, e sim porque nos dá sentido, constrói nossas identidades, nos dá prazer, alegria ou simplesmente nos diverte.

Existe altruísmo verdadeiro e até mesmo em alguns de nós, que vocês consideram heróis. Mas não está em nada disso aí. Está em coisas invisíveis. Generosidade e altruísmo são invisíveis – não são heróicos.

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