Outsiders

“Outsider art” se referia, originalmente, a arte gráfica ou plástica de portadores de desordens mentais. Era sinônimo a “insane art”. O louco é, talvez, o paradigma do outsider. O louco perde, temporária ou permanentemente, os instrumentos para garantir ou simular um pertencimento social qualquer. Transgride involuntariamente. Transgride por ação e por omissão, e, assim, torna-se um excluído, um “outsider”.
O termo outsider art foi cunhado por Roger Cardinal em 1972, baseado no conceito anterior de “Art Brut”, de Jean Debuffet. Art Brut, como categoria, por sua vez, emergiu da valorização modernista à rejeição dos padrões estéticos. Em 1948, Debuffet fez sua primeira coleção de Art Brut junto com outros artistas, entre eles André Breton.
Uma declaração de Debuffet me chama particularmente atenção:
“Those works created from solitude and from pure and authentic creative impulses – where the worries of competition, acclaim and social promotion do not interfere”. Debuffet opunha esta forma de arte à “arte cultural”, entendida como aquela dos que respeitavam os padrões e normas.
Tentei encontrar alguma correspondência para a arte “outsider” entre escritores. Não existe a categoria “outsider writing”. Existe, no entanto, certamente, o “outsider writer”.
Talvez, como a arte plástica ou gráfica de outros outsiders, o texto do outsider seja uma erupção de impulso criativo espremida de dentro das entranhas do artista pela própria condição de não pertencimento. Pela solidão da exclusão, da auto-exclusão e do estranhamento. Pelo alto ônus da transgressão – seja ela voluntária ou não.

A humanidade mereceu, de grandes transgressores, tesouros de valor inestimável. Virginia Wolf, Edgard Allan Poe, Lord Byron e tantos outros para os quais o preço da transgressão foi essa insuportável dor solitária e, eventualmente, a própria vida.

Existem outros, menos célebres. Devem existir milhares. Pessoas de vidas “desviantes”, pouco comuns, daquelas que merecem a reprovação de muitos e a admiração de poucos. Pessoas com reflexões e opiniões controvertidas, estéticas alternativas e comportamento solitário. Pessoas que, por força da resistência da maioria, calam mais do que se expressam. Mas em cada outsider, enterrado em suas mentes perturbadas e corações sempre em pedaços, existe a pérola da transcendência. Cada outsider é o depósito da experiência da fronteira, da visão da borda do mundo estruturado como o conhecemos. A experiência do mundo ainda em construção.

A regra é jogá-los fora. A regra é, mais, puni-los, torturá-los, cortá-los em pedacinhos, salgar sua carne e esterilizar seu solo, para que não mais brotem outsiders, sempre uma força desestruturadora dos padrões vigentes.

Mas, sabe-se lá por que, talvez por uma fatalidade genética, teimamos em aparecer e às vezes sacudir o status quo. Sempre achei que vale a pena tê-los, e não apenas advogando em causa própria. Quem sabe o que a humanidade seria nós?

Mas o preço que pagamos simplesmente por ser o que somos é gigantesco. TANSTAAFL – “There is no free lunch” – não existe refeição gratuita, ou seja, não se obtém nada senão por um preço.

Talvez o mais caro de todos os preços e a maior de todas as dores seja a solidão – outsiders não formam pares.

 

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