Overtraining – um tópico técnico

Overtraining (esse tópico não é um comentário de natureza política ou filosófica – é um relato da minha experiência e alguma pesquisa)

Resolvi fazer essa pesquisinha sobre overtraining e partilhar meus achados por um motivo: aconteceu comigo agora. As últimas semanas foram de muito trabalho e horários malucos para dormir e treinar. Enquanto tudo isso acontecia, eu continuava tendo que acordar às 6h para levar minha filha para a escola. Às vezes chegava muito cansada no treino, mas depois da primeira série, o corpo “pegava no tranco”. Acostumei com o esquema – sempre respondia bem. Nem me dei conta de que minha dor lombar não passava de jeito nenhum. Nem que meu nariz está toda hora escorrendo. Até que quinta-feira fui treinar e… o corpo não pegou no tranco. Era dia de posterior de coxa e costas – meu treino mais pesado da semana e um dos que mais curto. Forcei, forcei e em vez daquela sensação de “barato da força” (acho que todos vcs sabem a que me refiro), que dá um puta pique e até uma certa euforia, só fiquei mais mole, cansada e com sono. Levantei da flexora e estava tonta, mas não era hipoglicemia de jeito nenhum. Discuti com os amigos professores e resolvi tirar o dia sem treino. O resto do dia foi estranhíssimo, parecia que eu tinha tomado uma caixa de Valium: mole, chapada, aérea. Deitei mas não dormi. De noite, só peguei no sono às 2 da manhã e acordei às 5. Depois dormi de novo às 7, acordei às 9. Tudo maluco: sem fome, moleza mas sem pegar no sono, meio besta. Fui no médico, nenhuma doença. Ficou muito claro: overtraining.
Entrei no PubMed para buscar as publicações mais recentes e não me surpreendi com o fato de que quase tudo se referia a “endurance sports”, ou esportes de resistência, como maratona, natação etc.
De qualquer forma, partilho aqui o que achei.
Overtraining é considerado clinicamente uma DESORDEM NEURO-ENDÓCRINA. Segundo Mark Jenkins (http://www.rice.edu/~jenky/sports/overtraining.html ), overtraining pode ser definido como o estado em que o atleta foi repetidamente estressado até o ponto em que o repouso não é mais suficiente para permitir recuperação. A “síndrome do overtraining” (SO) é o nome dado à coleção de sintomas físicos, emocionais e comportamentais que se instalam quando o overtraining durou mais do que algumas semanas. O sintoma mais comum é a fadiga persistente. Outros sintomas são a maior vulnerabilidade a infecções virais, constantes lesões ou dores musculares, padrão de sono alterado, perda de apetite e perda de peso. Estudos fisiológicos e bioquímocos mostraram alterações variadas no organismo das vítimas da SO. A performance atlética cai, os níveis de cortisol são aumentados e os de testosterona reduzidos, além de um status imunológico alterado e aumento de sub-produtos de degradação muscular no soro.
Parece que existem duas formas da SO: a SIMPÁTICA e a PARASSIMPÁTICA. A simpática está mais associada aos esportes de explosão, enquanto a parassimpática mais aos de resistência (no sentido de endurance). Suponho que a simpática tb esteja mais associada aos esportes de força. Os dados experimentais são muito controversos e não há muita explicação sobre as evidências identificadas, como uma redução na frequência cardíaca de repouso na forma parassimpática, enquanto na simpática se observa o oposto.
Smith (2004) sugere que a causa subjacente da SO seja trauma. A hipótese da autora é que a combinação entre treino/competição excessivos e repouso insuficiente causa trauma repetitivo nos tecidos, seja no músculo e/ou tecido conjuntivo e/ou estruturas ósseas. Isso resultaria em inflamação crônica. Esse tecido traumatizado sintetizaria CITOQUINAS (CYTOKINES, acho que é citoquinas em português), moléculas inflamatórias. Citoquinas coordenam diferentes sistemas do organismo para promover recuperação. O que eu achei mais divertido foi aprender que essas citoquinas (IL-1b, IL-6, and TNF-a) são os mensageiros químicos que sinalizam para o cérebro gerar o “sickness behavior” (comportamento doente) – depressão, falta de apetite, libido menor, etc. -, que de fato otimizam a recuperação! Elas também inibem certos hormônios no hipotálamo que regulam a liberação periférica de testosterona. Finalmente – sim! – elas regulam o aumento da produção de cortisol.
Segundo essa revisão bibliográfica recente, o melhor indicador para a SO é a sensação subjetiva do atleta. Se ele sente que 24-48 horas não foram suficientes para recuperar-se de um treino, então a SO pode estar se instalando. A recuperação da SO leva em geral de 6-12 semanas.
Todos os estudos recomendam o seguinte como medidas profiláticas:
1. monitorar cuidadosamente o treino, anotando parâmetros de performance e subjetivos;
2. periodizar o treino para permitir períodos de menor intensidade e volume;
3. não aumentar abruptamente a intensidade do treino;
4. pelo menos um dia de repouso completo por semana;
5. variedade no treinamento;
6. muito cuidado com a nutrição
7. muito cuidado com fatores estressantes externos (trabalho, família, etc.): quando eles se tornam maiores, reduzir a intensidade do treino;
8. DISCIPLINAR O REPOUSO (acho que usei caixa alta para mim mesma…): O FATOR MAIS IMPORTANTE NA INSTALAÇÃO DA SO É O REPOUSO INADEQUADO.

O tratamento para a SO é repouso e nutrição adequada. Alguns estudos recomendam algum superavit calórico.
Abaixo vocês podem encontrar alguns dos parâmetros que a literatura associa à SO (outra hora eu traduzo – agora quero colocar online).

Table 1. Signs and symptoms associated with overtraining
syndrome (based on 29, 55, 73, 75).

Performance parameters

Decreased performance
Inability to meet previous standards
Prolonged recovery
Reduced toleration of loading
Decreased muscular strength
Decreased maximum work capacity

Physiological

Changes in blood pressure
Changes in heart rate at rest, during exercise, and during recovery
Increased frequency of respiration
Increased oxygen consumption at submaximal exercise intensities
Decreased body fat
Decreased lean body mass
Elevated basal metabolic rate

Psychological/behavioral

Constant fatigue
Reduced appetite
Change in sleep patterns (hyper- or hyposomnia)
Depression
General apathy
Decreased self-esteem
Emotional instability
Fear of competition
Easily distracted
Gives up when the going gets tough
Information processing
Loss of coordination
Reappearance of previously corrected mistakes
Difficulty in concentrating
Decreased capacity to deal with large amounts of information
Reduced capacity to correct technical faults

Biochemical parameters

Rhabdomyolysis
Elevated C-reactive protein
Elevated creatine kinase
Negative nitrogen balance
Increased urea concentration
Increased uric acid production
Hypothalamic dysfunction
Depressed muscle glycogen levels
Decreased hemoglobin
Decreased free testosterone
Increased serum cortisol
Decreased serum iron and ferritin

Immunological parameters

Constant fatigue
Complaints of muscle and joint aches and pains
Headaches
Nausea
Gastrointestinal disturbances
Increased aches and pains
Muscle soreness/tenderness
Increased susceptibility to and severity of illnesses, colds, and
allergies
Reactivation of herpes viral infection
Bacterial infections
One-day colds
Swelling of lymph glands

Smith, L.L. Tissue trauma: the underlying cause of overtraining syndrome? J. Strength Cond. Res. 18(1):184–191. 2004.

Marilia


BodyStuff

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