Reflexões sobre o vegetarianismo: a questão da crueldade

Muitos amigos e parentes meus são vegetarianos. Nunca discutimos a questão, que encaro mais como dogma religioso. Respeito quem decide não comer, digamos, sementes de mostarda, pois segundo sua religião, contém uma energia negativa que conflita com a energia positiva produzida pelo umbigo. Sem problemas: é um dogma, algo sem nenhuma base empírica, baseado na fé, ou seja, no “saber revelado”. Não requer lógica nem tampouco racionalidade.

Mas a estória de comer apenas vegetais não desce pela minha formação de bióloga e de epistemóloga. Começo pela questão filosófica: “não se deve comer carnes porque esse ato é antecedido por uma crueldade inaceitável”. Este enunciado me sugere várias perguntas, entre as quais as mais importantes são:

 

  1. Por que matar é cruel?
  2. Por que matar animais é mais cruel do que matar plantas, bactérias, fungos ou vírus?

 

A primeira pergunta só pode ter como resposta um raciocínio antropocêntrico, onde, de fato, matar uma outra PESSOA em geral se constitui num ato de crueldade (embora não necessariamente – pensemos a questão da eutanásia, por exemplo). Mas matar, em si, ou seja, interromper o ciclo de vida de um ser vivo, não é intríncecamente cruel. O conceito de crueldade está indiretamente associado a inflingir sofrimento. No caso de assassinatos não: é uma questão moral. Ainda que matemos um indivíduo que lê pacificamente seu jornal através de um tiro na cabeça do qual ele não tem consciência (e portanto não sofre absolutamente nada), não é um ato admissível e é considerado cruel. Mas é inegável que a crueldade está associada a sofrimento. Matar, no entanto, não. Se matar não implicar inflingir sofrimento, então matar não necessariamente é cruel.

 

A segunda pergunta tem como resposta um pensamento ainda mais desatualizado e ignorante da melhor evidência científica e mais modernas teorias em biologia evolutiva. Quem acha que matar animais é mais condenável do que matar plantas, necessariamente dá um status de “valor” superior aos primeiros. Na escala das coisas vivas, eles seriam mais vivos. Por que? Porque são mais “evoluídos”? Nada mais idiota: não existem seres “mais” nem “menos” evoluídos: tudo que é vivo hoje tem o mesmo “lugar” na evolução, ou seja: formas de vida ATUAIS. Somos simplesmente TAXONOMICAMENTE diferentes e temos diferentes distâncias FILOGENÉTICAS. A idéia de que existem seres “superiores” e “inferiores” causa vômitos convulsivos em qualquer terceiro-anista de uma boa faculdade de biologia. Nesta linha, plantas são apenas filogeneticamente mais distantes de nós, do que, digamos, uma zebra. Devemos concluir daí que a proximidade filogenética à nossa espécie confere aos portadores algum status maior quanto ao seu valor inerente? Macacos valem mais do que cães, que valem mais do que ornitorrincos, que valem mais do que tartarugas, que valem mais do que peixes e assim por diante?

 

Eu acho que qualquer um que levar esse raciocínio a sério não pode levar a sério o vegetarianismo. A única defesa aceitável é a que judeus e muçulmanos utilizam para recusar carne de porco: Deus disse para não comer, através de minha mãe, meu rabino e sei lá mais quem. Pronto.

 

Marília

 

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