Brasileiro de Supino

 

Esse fim-de-semana participei do XVII Campeonato Brasileiro de Supino promovido pela Confederação Brasileira de Levantamentos Básicos (IPF). O evento todo foi realizado na Colônia de Férias FETICOM do Sindicato da Construção Civil, em Mongaguá, SP. Lá não só foi montado o tablado para a competição em si, como os atletas inscritos ficaram hospedados em alojamentos simples, porém confortáveis e limpos. Cerca de 150 atletas concentrados principalmente nos estados do Sul e Sudeste participaram, a maioria de São Paulo. Não existe praticamente apoio ao esporte que garanta sequer transporte e essa infra-estrutura  mínima é produto do esforço pessoal dos membros da Confederação. Apesar das condições precárias e dificuldade que cada equipe e atleta enfrentou, o clima era de solidariedade e confraternização. Pessoalmente, para mim, essa participação completou meu ciclo de VOLTA AO LAR. Me preparei com seriedade (embora por apenas 4 semanas) no treinamento, cuidei da dieta, ajudei no que pude meu técnico, diretor da CBLL, em pequenas questões de infra-estrutura, fiquei alojada num quarto com beliches com quatro outras atletas da minha equipe e competi.

O aquecimento é coletivo, atletas de equipes diferentes se ajudam e revezam. Gostei dos meus resultados: acertei minhas duas primeiras pedidas, fiz 60kg, errei a última pedida de 65kg e fiquei 2,5kg atrás da primeira colocada open. Entre seis atletas da categoria de 56kg, fiquei em segundo lugar e obviamente levei a medalha de ouro para Máster 1 (de 40 a 50 anos) por ser a única atleta da categoria. A prata tem muito mais gosto de vitória que o ouro solitário, que não deixou de ter seu mérito, nestes tempos em que cada vez mais o esporte máster vem sendo mundialmente valorizado.

Fiquei feliz – muito feliz. Acho que fiz o melhor que pude para retribuir o apoio e torcida da minha equipe da GCA, a dedicação de meu técnico e outros tantos apoios de gente que sabe como o esporte é essencial na minha vida e na minha maneira de entender o mundo.

Voltei para casa – a grande, nobre, pobre e mal-tratada casa do esporte nacional, e dessa vez num esporte que reúne todas as condições de carência, precariedade, dificuldade e falta de apoio. Um paradigma do abandono público ao atleta e ao esporte. Em certos momentos, tive vergonha e sentimentos ambivalentes. Eu ali, com meu pote de Elite Whey da Dymatize e minha creatina de primeira linha, coisas de que nunca sinto falta pelo apoio generoso dos amigos Adriano, da Nutrafit, e da LSProtein, minha designer diet feita especialmente para mim pelo Luis Meirelles, o melhor nutricionista esportivo do país, enquanto atletas do meu lado se alimentavam de pão na chapa e chokito. Não fazem idéia do que seja suplementação nem dieta para performance, e se tivessem seria pior: não teriam como pagá-la. Na noite anterior à competição, saímos em grupo para comer. Duas das atletas não pediram nada. Tímidas, disseram ter esquecido a carteira. Me ofereci para pagar e Eric também. Elas não aceitaram. Depois, me dei conta de que de fato elas não tinham grana para pagar e passaram o dia se alimentando de salgadinhos trazidos de casa. Ambas foram medalhistas. Os meninos que levei comigo no carro vieram comendo bala, refrigerante e chocolate. Lixo calórico e barato.

E aí? O que eu faço? O que eu sinto? Preciso me segurar para não sentir culpa – a maldita culpa que anos atrás me arrancou precisamente da casa, abortou minha carreira esportiva e me jogou numa militância estéril para benefício de oportunistas da ultra-esquerda.

Mas angústia e impotência não posso deixar de sentir. Angústia por não conseguir agora vislumbrar um caminho para superar essa condição de abandono e negligência, e impotência por, no momento, não ter nada de efetivo para oferecer além do meu trabalho e solidariedade.

Atrás da angústia e impotência, no entanto, vem algo mais positivo, que é o senso de responsabilidade. Este sentimento se divide em compromissos variados. Um é o que já assumi com o esporte em si, para o qual quero retribuir pelo menos uma fração da força vital que ele me dá. O que estiver ao meu alcance, farei para impulsiona-lo. Outro é com minha equipe, academia e técnico, que contam com minha dedicação incondicional. Um terceiro é comigo mesma como atleta, que, com condições tão favoráveis, tenho uma certa obrigação de realmente ter a melhor performance possível. E o último é mais amplo e transcendente, diz respeito ao que acho que vim fazer aqui neste planeta, e é tentar mostrar que é possível, sim, se aproximar bastante da condição humana através da integração; que o esporte e a força são um caminho importante nessa linha. Talvez não o único, não sei se o melhor, mas para mim foi o que funcionou e acredito do fundo do coração que pode ser o de muita gente – pode salvar muita vida, pode dar muita dignidade, pode espalhar muita felicidade.

 

 

Cássio

 

Entre os atletas do interior estava Cássio, da Esporte e Cia de Ribeirão Preto. Cássio é deficiente físico, usa cadeira de rodas. Toda vez que era chamado, Vanessa o acompanhava e prendia seu tronco ao banco com uma faixa. Cássio competiu como todos os demais atletas, mesmas regras, sem privilégios.

 

 

D. Terezinha

 

D. Terezinha é uma das atletas da GCA. Ela é uma dona de casa, categoria máster 2 (acima de 50 anos), que treina e compete há 12 anos. Sempre viveu em Paraisópolis e, vendo-a, dificilmente alguém adivinharia estar diante de uma atleta de elite. Suas marcas são altas. Ela é casada, tem 8 filhos e 8 netos. Ninguém da família assiste seus campeonatos, nos quais ela é invariavelmente premiada. Mas ela não se importa – pelo menos diz que não….

 

Volume muscular e força

 

Uma coisa que imediatamente me chamou atenção é o fato de que, entre as algumas dezenas de atletas mulheres, apenas umas quatro tinham volume muscular e maior definição e eu era uma delas. Nos reconhecíamos entre as demais: naturalmente, nosso treino era diferente. Eu sou novata no powerlifting, uma delas veio do bodybuilding e outra é ligada ao treinamento de força de modo geral. A atleta mais impressionante que conheço é a Daniela, da GCA, cujo peso é em torno de 40kg e cuja marca no levantamento terra é 115kg, bem melhor que a minha. Obviamente meus 15 quilos adicionais não me ajudaram nisso.

Existe uma relação entre a área da secção transversa do músculo e a força que ele é capaz de realizar. No entanto, não há nada de linear nessa relação e muito menos permite comparações inter-pessoais. Tantos fatores fisiológicos e de composição histológica interferem no efeito força-máxima, que cada vez mais olho criticamente a confusão na literatura científica.

Talvez por essa relação tão pouco linear e direta entre força e hipertrofia, além de toda a confusão no que diz respeito à hipertrofia em si é que se nota um certo desprezo entre técnicos e atletas de powerlifting quanto aos treinamentos auxiliares e também composição corporal.

Uma atleta muito premiada declarou que seu técnico SUPRME os treinamentos auxiliares durante o ano competitivo. Durante 9 meses no ano, ela treina apenas os levantamentos. Durante 3 meses, ela faz “treinamento de base”. Ao lado dessa negligência quanto à hipertrofia muscular e força distribuída, também se nota a pouca importância que se dá à composição corporal neste esporte. Mais entre mulheres do que homens, mas também entre eles, a porcentagem de gordura corporal é notadamente alta.

Mesmo sendo novata por aqui e me arriscando a uma pretensão indevida, algo me diz que essa estratégia não é a mais eficiente. Gordura não é tecido contrátil e não serve para muita coisa para quem se alimenta adequada e freqüentemente. Me parece que o controle da categoria de peso seria mais benéfica aos atletas se feita através de uma otimização da composição muscular, e não seu “peso”.


Marilia

BodyStuff 

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