Nessa semana da visibilidade trans eu resolvi contribuir com blogagens singelas, longe das palavras de ordem, que deixo para @s protagonistas que quiserem.
Também não vou me aventurar na discussão conceitual da transgeneridade: limito-me a observar de longe, com o olhar ressabiado da socióloga da ciência que reconhece uma imensa controvérsia sem consenso no horizonte.
Meu ponto aqui é o oposto do complicado e do fantasmagórico, labiríntico e misterioso. É a coisa simples do convívio com pessoas que fazem as mais variadas viagens com relação a gênero e sexualidade.
Meu irmão é uma mulher transgênera. Irmão? Pois é, irmão, do mesmo jeito que é pai. Eu nasci e estavam lá: dois irmãos e uma irmã. Cada um fez inúmeras coisas da vida e eu continuei irmã deles todos. Um se tornou transgênera.
Fiquei bem doente recentemente e Laerte foi quem me levou ao hospital, me acompanhou a exames, me levou para tudo que é canto. Eu não gosto muito de conversinha com estranhos, de modo que aceito o que for dito: “pode se trocar – sua irmã está esperando você lá fora”. Ok, está bem.
“Meu irmão vem comigo”: silêncio. “Minha irmã”: silêncio. “Ela”.
Confunde, mas não é fatal, não impede nada, não atrapalha nada. Não prolonga conversas (graças aos deuses).
Eu me irrito com invasões. Tietes são invasivos e sem noção. Mas quando eu tive uma dor de cegar, quando tive uma doença muito grave, com Laerte do lado, ninguém invadiu e todos respeitaram. Era apenas um par de irmãos (ou irmãs, dane-se: a dor vale mais) num hospital em estado de sofrimento extremo. Se uma é transgênera ou não foi rigorosamente irrelevante.
Vamos a supermercados, laboratórios, conferências – é tudo igual e tão normal quanto anormal. Ninguém honesto agride ou confunde nada.
As restrições de amigos ou familiares são, depois de um tempo, sempre iguais. Viram pano de fundo. A pergunta mais comum é “mas por que ele faz isso?” Em algum momento, eu não sei qual foi, eu parei de dar respostas longas. Passei a responder apenas “não sei”. Descobri que é uma resposta muito mais honesta e satisfatória. A verdade é que a imensa maioria das ações e decisões pessoais não pode ser explicada. Elas simplesmente são.
Eu tenho um amigo transgênero. Eu o conheci em 2006 quando era uma mulher. Tinha cabelos pelos ombros e nos demos bem imediatamente. Era uma grande atleta. Tinha seios grandes que a incomodavam. Eu segui todo o percurso de opção dela, que se tornou ele, pela transição. Acompanhei quando ele quase morreu na mesa cirúrgica, por alergia ao anestésico, e ainda assim disse que se sentia o homem mais feliz do mundo.
O caminho que ele optou por fazer é complicado. Mas qual não é? Qual vida que mereça o selo de qualidade e densidade não é complicada? Quem sou eu para achar que é mais complicado optar por vivenciar seu gênero de maneira inversa à expectativa social do que as diversas opções complicadas e não-convencionais que eu fiz? Ou que você fez?
No fundo, é tudo mais simples, menos heróico, menos super-humano, menos sub-humano, mais genuino e honesto apenas. No fundo, são só pessoas vivendo segundo o que lhes faz mais sentido, que é o que todos, no fundo, desejam, alguns tentam e outros quase conseguem fazer.