Esporte e a interlocução impossível

Este foi meu e-mail da manhã de hoje, dia do trabalho, dia de muito trabalho, para o João:

“Vai… acordei e vi na minha inbox notificação daquela discussão triste do forum da UFRJ. As seguintes reflexões me ocorreram:

1. Esporte é um objeto de

a. estudo;

b. atuação profissional;

c. reflexão;

d. interação social

da mais alta ambivalência entre os que podemos pensar. Vamos lá, exemplos de outros ideológica e emocionalmente quase neutros: “pobreza”, “criminalidade”, “profissão” (as in sociologia das profissões, ou identidade profissional); “trabalho”, “família” (as in psicologia familiar, advocacia familiar, etc).

2. A elite simbólica (a la Bourdieu) é quem mais expressa o elemento negativo dessa ambivalência. A camada consumível (as in merchandise) do esporte é consumida e rejeitada por ela. Ao mesmo tempo ela enaltece o caráter “folclórico” de algumas modalidades, como o futebol (as in “o Brasil é o país do futebol”) e rejeita ferozmente o esporte como um todo (“competição desenfreada”, nas palavras da pessoa da UFRJ). Com isso ESPORTE, como instituição social, é objeto de rejeição, mais ou menos como “globalização” e “mercado”. O motivo é uma certa indigência intelectual das ciências sociais e humanas no Brasil, já amplamente apontada por intelectuais como Claudio Moura Castro, Simon Shwartzman, Fabio Reis e Gláucio Soares. A debilidade da formação metodológica e internacionalização destas disciplinas leva a uma “des-cientização” do campo e estes segmentos mal distinguem um programa político partidário de um discurso científico. Aliás, creio que (ideologicamente) defendem a equivalência entre eles, não entendendo que a não-neutralidade do sujeito do discurso científico de maneira alguma autoriza a trivialização metodológica do mesmo. Acho que o outro motivo é a indigência de grande parte da própria esquerda, que demoniza temas, num triste exercício de desertificação intelectual.

3. Quem estuda, trabalha ou reflete sobre esporte é automaticamente classificado à direita em qualquer tipologia das idéias (isso já é doloroso, pelo menos para mim, que tenho meus princípios e compromisso com a transformação social bem no lugar). Com isso, é objeto de rejeição, hostilização e escárnio por estes intelectuais que aderem, mesmo sem ter consciência disso, às perspectivas desqualificantes do esporte. Ao mesmo tempo, entregam-se à ambivalência, expressando com cores variadas os conflitos emocionais que ela gera.

4. Ser objeto de rejeição, hostilização e escárnio não é divertido. Ser objeto de incompreensão e rejeição ao diálogo que poderia conduzir a um processo de compreensão é FODA. É uma condenação ao silêncio, à impossibilidade de interlocução. Assim são os médicos, psicólogos, sociólogos e nutricionistas do esporte. Só escapam disso os treinadores e esportólogos em si.

5. Talvez para se preservar disso seja boa ideia abrir mão de interações que se mostram estéreis. Estas são aquelas em que os participantes já estão endurecidos em suas posturas, posturas essas racionalizadas e ideologizadas. Com isso, naturalmente, os elementos emocionalmente ativos da rejeição ficam para sempre escondidos e inacessíveis à auto-crítica e reflexão. Em outras palavras, nem eles conseguem entender o que os faz agredir de graça alguém que estuda ou trabalha com esporte e a complexidade dos nossos discursos e propostas será irremediavelmente opaca para eles.

OU SEJA: com nossas publicações, parte da comunidade vai sofrer um incômodo benigno e pode vir a refletir sobre esporte, o que já está atrasado civilizatoriamente. Parte dela, infelizmente, está perdida e nunca vai conseguir pensar. Pena, mas também acho que auto-preservação é de lei.

Por hoje de manhã, é isso…

 

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