“Eu sou foda, eu sou demais, eu não consigo viver sem mim”

Em 1995, pouco depois de defender meu doutoramento e na condição mais ou menos de João Ninguém no cenário científico, tive o privilégio de conhecer o Prêmio Nobel Joshua Lederberg. Foi em Nova Iorque, pouco depois de voltar da Bélgica, onde eu havia apresentado dois trabalhos num congresso internacional. Como especialista em sociologia da ciência e conhecedora em profundidade da história das ciências da vida, encontrar um dos personagens mais importantes da ciência do século XX estava além das minhas mais ambiciosas expectativas. Mas o fato é que mais que um Prêmio Nobel, Lederberg teve uma vida plena e uma atividade intelectual produtiva, criativa e crítica. Navegou por áreas tão diversas como inteligência artificial, vida em outros planetas e interesse público da ciência. Foi nessa última temática que ele me “enxergou” e me convidou para visitá-lo em seu laboratório na Rockefeller.

Quando fiquei frente a frente com aquele senhor ativo e sorridente, acho que não conseguia piscar. Ele riu e disse algo como: “relaxe: eu tinha apenas 19 anos naquela pesquisa – não sou tão velho assim”. Fiquei sem-graça.

Ele me levou para almoçar no restaurante da universidade e se dedicou a me aconselhar quanto às confusas opções que eu tinha pela frente. Lederberg é todo generosidade e compreensão. Em pouco tempo, esqueci que diante de mim eu tinha um dos homens dotados de maior capacidade de influir sobre o mundo com suas idéias.

Ao longo da minha vida acadêmica, vi uma porção de nulidades arrotando presunção, gente que escrevia páginas e mais páginas de porra nenhuma, lingüiças cheias de irrelevância. Esses eram “foda”, eram “demais”, olhavam de nariz empinado os pobres estudantes entre os quais eu já não me encontrava – na cabeça deles, eu já os acompanhava no Olimpo. Bati de frente com vários destes portentos de mediocridade.

Anos depois estou aqui, no powerlifting, e qual não é minha surpresa ao ver garotos e garotas deslumbrados consigo mesmos ao ponto do delírio com um ou dois títulos de um esporte marginal em um de seus países menos proeminentes. O sujeito ganha um campeonato brasileiro quase sozinho na categoria e no dia seguinte sai soltando e-mails para todo o universo, postando em fóruns e mudando nicks para “Campeão de todos os tempos de sei lá o que”. Olho com melancolia esse quadro, me pergunto quando vão crescer e entender que o esporte leva a outras formas de crescimento que não esse beco sem-saída da auto-promoção. Mas são jovens. Pior é quando não são: infelizmente, o país está cheio deste tipo tão deprimente, o do auto-promovido.

O dia seguinte dos campeonatos chega a me dar náusea, tamanha a inflação de “eu sou foda, eu sou demais” espalhado por orkuts e e-mails.

Mas nesse sábado eu presenciei um verdadeiro talento se manifestando. Gilberto Silva cumpriu a expectativa de todos (e tome expectativa…) e executou um supino de 301kg no Campeonato Brasileiro da WABDL-Brasil. Claro que ficou feliz, pulou, gritou, comemorou com todos nós.

Mas depois voltou a ser o Gilberto de sempre, quietão, que nunca saiu por aí se dizendo fodão e nunca prometeu nada. A divulgação ficou por conta de nós, amigos e admiradores, orgulhosos do feito de nosso colega e compatriota.

Acho engraçada a realidade desse esporte onde atletas como Gilberto, Caramello, Valdecir, Daniel, Erica, Fernanda ou Aninha, donos de marcas espetaculares, não são “foda”, não são “demais” e não se masturbam no espelho de tesão por si mesmos. Agora, o fodão que faz um sensacional supino com praticamente seu peso corporal, esse sim é “demais”, “fortíssimo” e super mega máster blaster campeão das galáxias.

Outros ainda até fazem marcas boas, mas o deslumbramento é tão grande que não sei se vão longe – estão satisfeitos demais. Finalmente, resta a categoria das “eternas promessas”, aqueles que “na academia” são melhores que Ryan Kennelly mas na hora “h” do campeonato… dá aquela dor de barriga, clássica, conhece?…

 

 

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