O perigo do Maniqueísmo: Demonização e apologia ao uso de esteróides anabólicos

Durante alguns anos eu venho expondo a desinformação, simplismo, preconceito e outras formas de viés interpretativo por trás da condenação ao uso dos esteróides androgênicos anabólicos (AAS). Mais que isso, alguns elementos simbólicos mais complexos e sub-liminares parecem estar envolvidos, como a demonização da própria FORÇA.

Também acredito que a prática de caça às bruxas que caracteriza hoje o combate ao doping nos esportes é não apenas ineficiente, autoritária, em boa parte anti-científica, como tem relações com agendas políticas e econômicas ocultas de grande relevância, como as das estruturas de poder no esporte (as federações e órgãos reguladores, que têm um instrumento de controle de grande violência nas mãos) e a indústria farmacêutica.

Finalmente, tenho argumentado insistentemente que o problema de saúde relacionado a abuso de substâncias ergogênicas não é o atleta, e sim o usuário recreacional, que só poderá tomar decisões em seu favor com mais informação.

No entanto, a consciência de que há “algo errado” em condenar de maneira simplista o uso e os usuários de AAS levou uma parte grande das pessoas, particularmente atletas e entusiastas do treinamento com pesos, a uma atitude especular e especularmente perigosa: a idéia de que não há risco nem perigo algum. Essa falsa noção de segurança no uso de AAS é fortemente estimulada pelos agentes do mercado negro, em especial os sites de venda destas substâncias que disseminam informação equivocada e sem base científica.

O problema do mau uso de AAS, principalmente sua auto-administração ou prescrição por leigos, é que os efeitos negativos não se restringem à toxicidade e aos conhecidos efeitos colaterais fartamente discutidos. O mau uso de AAS cria drogadictos inocentes entre uma população não propensa a uso de substâncias recreativas.

Além disso, os efeitos psiquiátricos de curto e longo prazo são dramáticos. Vão desde a inevitável ansiedade até comportamentos agressivos, paranóicos e depressão. O crescimento do uso indiscriminado de AAS entre adolescentes, cujos motivos estão mais relacionados a questões de auto-estima e auto-afirmação masculina, criou uma epidemia de casos psiquiátricos graves. É possível que a auto-administração de AAS agrave ou manifeste desordens psiquiátricas como a desordem bipolar, transtornos depressivos e de ansiedade, além de outros.

Entre atletas ou “quase-atletas”, a coisa é melancólica: grandes talentos se perdem porque perdem a fé em sua própria força e competência. Vi não um ou dois grandes atletas que ironicamente “compraram” o argumento de que sua performance excepcional era produto dos AAS, exatamente como acusavam seus detratores.

O que fazer diante disso? Bato na mesma tecla de que a caça às bruxas e combate terrorista praticado pelos órgãos de controle ligados à WADA só produz mais drogadictos. Substituir o moralismo por educação seria um grande passo. Outra medida importante seria conscientizar a população de que auto-medicação é sempre arriscado. Não há nada de errado com o medicamento em sim, mas fazer “stacks” indicados por idiotas sem formação nenhuma, empilhando deposteron, hemogenin, dura e o que for a bola da vez, é equivalente a jogar o conteúdo de vidrinhos sem rótulo dentro de um tubo de ensaio e esperar para ver se explode.

A terceira medida, conseqüência lógica da anterior, seria promover atitudes mais realistas e inteligentes entre a comunidade médica. Se o mau uso está gerando uma epidemia de casos psiquiátricos e de desordens endocrinológicas, o USO é buscado por muitos e muitas vezes é inevitável. Trata-se de ajudar o paciente, e não condená-lo ou rejeitá-lo. O médico que ganha a confiança de seu paciente venceu a batalha contra o traficante.

Perdi amigos que viraram outras pessoas com o uso crônico e errado de AAS. Achei por bem escrever este artigo como alerta e reflexão sobre o maniqueísmo em que caímos quando a discussão perde a objetividade e racionalidade, quando vira briga religiosa ou eleitoral.
Trazer a conversa de volta ao terreno dos fatos e da neutralidade moral beneficia a todos, menos aos poderosos e à indústria farmacêutica

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