O Timer

Ontem eu decidi que já chegava de enrolação: era hora de começar a meditar. Meditar é necessário para quase tudo que se quer fazer direito na vida. Meditação é a prática e o treino do foco e da concentração, da “presença consciente” (“mindfulness”). Nada é feito com uma vivência completa sem essa presença consciente. Nós, que não temos esse treino, na melhor das hipóteses atingimos este estado espontaneamente de vez em quando durante uma existência. Com sorte, atletas e artistas encontram uma via alternativa para estados “focados”, que mesmo assim é incerta e incompleta sem um treino especificamente meditativo. Isso tudo somado ao fato de que melhora a performance em geral, a saúde, e, no meu caso especificamente, a porcaria do sono, faz com que não meditar seja uma coisa imbecil.

Existem infinitos livros e textos de auto-ajuda ensinando a meditar. A verdade, no entanto, é que meditação para valer se aprende com alguém que já saiba fazer isso. Eu tive o privilégio de ter um mestre de yoga por seis anos e tive instrução para meditar (atenção: eu tive instrução para meditar, o que é diferente de dizer que eu aprendi a meditar).

Meu mestre explicou que com uma vida ocidental urbana, no dia em que conseguíssemos meditar por dois minutos seria uma conquista a se comemorar. Também explicou que antes de um mês era difícil ver algum resultado. Embora existam milhares de estratégias diferentes, basicamente para começar a treinar é preciso ficar meio parado e tentar fazer o que não se tem idéia nem de como é a sensação, ou seja: focar em algo. Gente treinada medita em qualquer condição, mas isso requer anos de prática árdua.

Humildemente mas decidida, eu peguei o relógio e configurei o timer para dois minutos. Após praticar algumas respirações, ficaria dois minutos sentada tentando concentrar em algo como minha respiração, bombeamento de sangue ou outra sensação rítmica interna (é mais fácil para mim – tem gente que prefere sons externos, contagens, etc).

Sentei. Achei a sensação. Fiquei lá até que pensei: “será que a Renata já enviou os projetos?…” Afastei rapidamente a dúvida irrelevante e foquei de novo. Senti a sensação. Logo veio outro pensamento: “marquei o ginecologista para essa quinta ou para a outra?” Tudo bem, eu sabia que ia ser difícil. Comecei de novo. Logo pensei: “precisa chamar logo o Roberto para instalar a rede”. Nossa. Mais difícil do que eu achava. Mas procurei e achei a sensação novamente. Permaneci um tempinho mais sentindo o ritmo. Até que veio a idéia: “preciso retocar as luzes do cabelo e lembrar de pedir ao Billy mais escuro na frente”. Aí me emputeci. Mas que merda que nem dois minutos eu conseguia ficar sentada sem uma dezena de pensamentos intromissores atrapalhando. E, meu Deus, que dois minutos intermináveis. Obviamente nesse momento eu perdi completamente o foco. Meu foco era a interminabilidade dos dois minutos. Até que, humilhada e não agüentando mais, decidi que cumprir os dois minutos ficaria para amanhã.

Abri os olhos e peguei o relógio. Só então eu me dei conta de que configurei o timer para duas HORAS e não dois MINUTOS. Eu coloquei o dois no zero errado. E de fato haviam passado intermináveis nove minutos e meio com eu ali sentada.

Meditar requer prática. Existem alguns trabalhos científicos que mostram que a meditação está relacionada, a longo prazo, a importantes mudanças fisiológicas e até histológicas no cérebro (Bibliografia recente sobre meditação e saúde mental). Mas essa expressão aí no meio – “longo prazo” – costuma ser ignorada por quem começa a meditar e desiste. Ninguém termina um doutorado seis meses depois de entrar na faculdade (para mim foram 13 anos depois). Ninguém (mulher) supina o dobro do seu peso corporal no terceiro mês de treino (para mim foi necessário um ano e meio de treino). Tudo é aprendizado, treino e prática. Partes de um aprendizado muito maior do qual você nunca se gradua e onde o prêmio máximo é a serenidade: o de se tornar um Humano com H maiúsculo.

 

 

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