Sobre o imbróglio do mercado de suplementação no Brasil: uma primeira manifestação cautelosa

Recentemente, houve um fenômeno que agitou o mercado brasileiro de venda de suplementos nutricionais esportivos da classe dos pós protéicos. Um lojista enviou exemplares dos produtos adquiridos por ele das indústrias para análise quantitativa e exibiu laudos, pelo youtube, mostrando inconsistência entre o declarado no rótulo e o resultado dos testes. Os vídeos tiveram imensa viralidade e o comerciante se tornou uma celebridade regional. O debate se deu num nível dominado pelo tom emocional da indignação, falas contagiantes e missionárias e estabeleceu-se uma atmosfera de linchamento digital de inúmeras empresas. Parecia ser o início de uma grande reviravolta.

As coisas começaram a se acalmar quando um amigo meu, o atleta profissional de Strongman Marcos Ferrari, manifestou-se contra a utilização de análises quantitativas para o julgamento desta classe de produtos e sugeriu em seu texto que o papel dos consumidores era exigir que a ANVISA, o órgão responsável pela regulamentação de alimentos e fármacos, tomasse as rédeas da fiscalização.

A resposta de quem leu o texto de Ferrari não me parece mostrar que houve um entendimento adequado de seu conteúdo. Muitos me pedem um posicionamento.

Neste momento, não posso ter nenhum posicionamento em relação às iniciativas de ninguém. O que posso é dar meu depoimento pessoal, que se segue:

Como atleta de alto rendimento, campeã e recordista mundial na minha modalidade, evidente que já tomei e testei os mais diversos suplementos protéicos. Gosto de vários, uso muitos e não tenho procuração de empresa nenhuma para me posicionar quanto a essa confusão criada no mercado por laudos feitos por terceiros não legalmente incumbidos da função regulamentatória, como bem aponta o Marcão. A função de regulamentar a consistência da composição de fármacos, nutricêuticos e alimentos é da ANVISA.

Eu (ou você, leitor), como pessoa física, tenho direito de analisar o que eu quiser. Um governo democrático e a constituição brasileira também me permitem divulgar uma série de conteúdos, dentro do princípio da liberdade de informação. Assim, se o meu laudo apontar inconsistência entre o rótulo legalmente aprovado pela empresa de suplementação e o conteúdo do produto, eu tenho direito de dizer isso publicamente. Se, por acaso, laudos do mesmo lote ou de outros produtos da mesma empresa não mostrarem inconsistência, acontece uma coisa interessante: esse “eu” que apontou o dedo para a empresa acusando-a de um crime (não sou advogada, não sei se é fraude ou estelionato), passa a ser objeto da suspeita de outro crime, que é a calúnia. Calúnia é a falsa alegação de crime cometido por alguém diante de terceiros. Por exemplo: se eu publico “Antonio é ladrão” no meu mural no Facebook, diante de, digamos 300 amigos, e Antonio não for ladrão, eu estou cometendo o crime de calúnia.

Quando começaram a aparecer dezenas de laudos com disparidades imensas entre o rótulo e o conteúdo analisado, todos os consumidores de suplementos esportivos ficaram chocados, eu inclusa. Num segundo momento, me pareceu esquisito. Primeiro, a disparidade era grande demais. Empresas costumam fraudar e lesar o consumidor de maneira mais sutil. Segundo, como eu conheço o processo de produção de suplementos proteicos, me pareceu meio trabalhoso produzir aquela disparidade. Um pouco sem sentido do ponto de vista econômico corporativo. Em terceiro lugar, a incitação a uma revolta coletiva com discurso em tom populista (me soava uma espécie de Silas Malafaia) me deixou com vários pés atrás.

Até que apareceram vídeos denunciando algumas marcas cujos produtos eu consumo regularmente (vários). Problema: eu sou portadora de uma condição (aliás, bem comum) chamada “digestão tardia de carboidrato”. Para encurtar a história, ingerir carboidrato a partir de uma certa hora do dia, quando a minha produção enzimática muda, me causa uma dor de barriga animal. Dor mesmo: não diarréia. Eu teria notado se o produto que eu consumo tivesse em vez de 23g, 13g de proteína e o resto de carboidrato.

Para alguém que consome de 3g de proteína por quilo de peso corporal, dá para imaginar quanto whey eu tomo.

Oficialmente eu não acho nada. Para mim o rapaz que fez os laudos pegou potes, mandou para o laboratório e pronto. Se deu azar e o único pote do meu whey que foi magicamente adulterado foi parar na loja dele, deu azar, o laboratório pegou e sorte minha, pois eu não tomei e não tive dor de barriga.

O que eu acho que é que depois dessa festa toda e da reputação de diversas empresas ter sido jogada no esgoto, está na hora da ANVISA colocar ordem no galinheiro, laudar produtos coletados por funcionários idôneos, acompanhados de representantes da empresa, de órgãos do consumidor, de entidades da sociedade civil, de quem quer que seja, mas não simplesmente um cidadão entregando um pote ao laboratório. A questão é saber o que aconteceu entre o pote sair do galpão da empresa e ir parar no laboratório, coisa que só um órgão oficial de regulamentação pode garantir.

No momento, é só isso que eu acho.

 

 

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