Sobre o ódio

(esse post diz respeito ao ataque que sofremos na Bodybuilding-Brasil, comunidade do orkut, por parte de um grupo de ódio a marombeiros)

Iron brothers & sisters,

Queria confessar aqui para vocês que a invasão que sofremos nos últimos dias por parte de fakes e não-fakes odiadores de marombeiros não foi apenas irritante para mim. Acho que isso ficou óbvio pelo quanto me mobilizei para chamá-los aqui para votar e ajudar a defender a comunidade. Fiz isso enquanto me reunia com colegas, escrevia um projeto e resolvia problemas – ou seja: isso tomou meu tempo de trabalho e me causou stress. Uma das minhas parceiras de trabalho é psicóloga e notou como a situação me afligia. A maior parte de vocês vai rir disso e considerar um exagero bobo e injustificado da minha parte. Pode até ser. Acho até que é. Mas eu tenho os meus motivos.
Tenho medo do ódio.
Tenho horror ao ódio.
Não entendo o ódio, esse ódio puro, que é sentido por símbolos, e não pessoas. O ódio que não vem de uma agressão ou ofensa pessoal – o ódio puro, dirigido a uma “condição”.
O ódio que responde a uma agressão ou dor me impressiona, mas não me dá medo: ele é concreto, tem uma origem, é ou não é justo, mas há como administrá-lo. Existe possibilidade de compensação e alívio – alguém pede desculpas, alguém “resolve”.
O ódio abstrato não, porque não há ninguém por trás dele.
O ódio contra “negros”, “homossexuais”, “mulheres”, “homens”, “latinos”, “japoneses”… O ódio contra “gordos”, contra “musculosos”…
Meu medo do ódio é antigo, mas se tornou quase fóbico durante os anos em que vivi nos Estados Unidos. Aquele é o país do ódio. É um país muito heterogêneo, com uma história muito sangrenta, marcado pelo sectarismo e pelo ódio entre os grupos. Há uma longa explicação histórico-sociológica sobre isso, que vem sob o rótulo de “excepcionalismo americano”, ou seja: eles são diferentes. Eles odeiam mais.
Meu primeiro contato com o ódio naquele país foi quando eu tinha apenas 9 anos e entrei numa sala de aula pela primeira vez. Todos os brancos se sentavam do lado direito da sala e todos os negros do lado esquerdo. Não falavam uns com os outros. Não brincavam uns com os outros. Com o tempo, atribuiram a mim a tarefa de fazer as ilustrações para o jornal da escola, junto com um garoto negro. Começamos a ficar amigos, mas fui repreendida pelos colegas brancos, que proibiram nossa aproximação.
Depois, bem mais tarde, vivi numa cidade univesitária isolada nas montanhas, chamada Blacksburgh, na Virginia. Apalaches – região perigosamente conservadora. Um dia peguei a estrada para Washington com minha filhinha de apenas 8 anos. Eu sou loira e tenho olhos azuis, mas ela é morena, olhos negros e cabelos castanho-escuros. Claramente latina. Entramos numa lanchonete para fazer xixi e tomar coca-cola. Todos os olhares se voltaram para nós: TODOS eram brancos e bem claros, gordos e as mulheres usavam roupas com florezinhas de cor pastel. Nos olhavam com ódio. Um homem começou a provocar minha filha. Tive muito, muito medo.
Depois, na passagem do ano de 1999 para o ano 2000, alguns antropólogos especializados em “hate groups” (grupos de ódio), alertaram para o fato de que eles podiam atacar. Sinagogas, igrejas de negros e edifícios públicos eram alvos preferenciais, mas as ruas das grandes cidades não eram seguras. Havia boatos de que planejavam ataques em Nova Iorque e Washington. Minha irmã, eu e minha filha passamos a virada em casa, bem seguras num subúrbio de D.C., Sringfield, assistindo os noticiários.

Existem mais de 1000 comunidades no Orkut contendo a palavra “odeio” no título. A maior de todas elas é inofensiva:

Eu ODEIO esperar 634.780 membros

Mas logo começam as coisas complicadas. Na segunda página, há a enorme comunidade:
Eu odeio o Corinthians 134.092 membros – Odiamos o CUríntia e a Gayviões da Fiel

E depois
Eu odeio carioca 116.070 membros

E
Odeio Flanelinha 63.558 membros

Eu odeio patricinhas… 54.841 membros

E, finalmente, os que nos odeiam (ignorei as microscópicas):

ODEIO CARA BOMBADO 831 membros – Esta comunidade é para todas as pessoas que, como eu, acreditam que músculo é inversamente proporcional a inteligência
ODEIO HOMEM BOMBADO 809 membros – Esse é pras pessoas que detestam aqueles homens que se acham os bonitões, os garanhões e mais gostosos do mundo. Ninguém merece aquelas coisas inchadas que sofrem de um QI mínimo que eles só usam pra dar porrada, pra aparecer, pra saber a nova bomba do momento e pra pegar periguete!!!
EU ODEIO HOMEM BOMBADO 271 membros – se vc eh akela pesso a q axa orrivel³ homem bombado.q fik tomando isso axando q vai fik gatinho mas na verade fik enorme de feio,cum um barrigão,e uma canelinha
Eu odeio homem bombado 116 membros – *Se vc acha ridículo o jeito como eles dirigem
EU ODEIO BOMBADO SEM NEURONIOS 102 membros – ESSA COMUNIDADE É PARA AQUELAS PESSOAS Q CONHECEM ALGUM BOMBADO “SEM NEURÔNIO”…
Odeio bombado de perna fina 81 membros
Odeio homem muito musculoso! 336 membros
Eu odeio homem musculoso! eka! 156 membros
Odeio Mulher Bombada 63 membros
Eu detesto cara bombado! 563 membros
Bombado mas Feio, oq adianta? 2.869 membros
Homem Bombado Pra Mim é Viado 1.967 membros
Quero q um bombado se exploda 549 membros
Eu Odeio Mulher Musculosa 994 membros

Em geral, o ódio afasta. Isso é ruim.
No entanto, é bem pior quando o ódio aproxima. Quando, em primeiro lugar, aproxima pessoas com o mesmo ódio. Em segundo, quando aproxima essas pessoas dos alvos de seus ódios. Então temos o pior da humanidade se expressando. É o ímpeto da destruição do outro.

Quando percebo pessoas que odeiam deliberadamente atacando, provocando ou ofendendo seus alvos pelo puro “sentido” (deve haver prazer!) da expressão do ódio, me assusto. Há algo de não-humano ali. Ou, pior: há algo de MUITO humano e muito perigoso, destrutivo e negativo, que procuramos não ver. O prazer em submeter o “outro”, em provocar nele dor, incômodo, ofensa, medo, tudo que prefiro ver associado à forma mais assustadora de desordem mental, a do psicopata, não é tão isolada e doente assim. Ou se é, é uma epidemia.

Ainda que a ação em si tenha efeito, relevância e gravidade muito diferente, não há diferença na natureza do gesto ou intenção entre penetrar uma sinagoga, armado com uma M-16 e aterrorizar as crianças por puro ódio à religião judaica, e entrar na nossa comunidade, acusar nossos homens de não terem masculinidade e nossas mulheres de não serem mulheres, de não termos intelecto, de sermos fraudes humanas, de sermos, enfim, indignos de nossa condição.
Eles nos odeiam simplesmente por nossa aparência e estilo de vida. Nunca vou entender as motivações. Não sei se quero entender. Não sei se não quero apenas que fiquem longe de nós e nos deixem em paz.
Porque me assustam com seu ódio, sua ignorância, sua irracionalidade, sua total falta de articulação… humana.

Marilia


BodyStuff

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