“Tranqueira biologicista”

Falsa neurociência perpetua a diferença entre os sexos, diz autora

Sobre o livro acima, comenta meu sábio irmão, Laerte Coutinho: “está na hora de derrubar essa tranqueira biologicista”.

Claro que concordo, mas gostaria de colocar isso em perspectiva. Eu sou bióloga e meu doutorado é em sociologia da ciência. Por anos participei de um grupo internacional de filosofia, história e sociologia da biologia. As linhas da chamada “psicologia evolutiva”, que procuram biologizar e naturalizar comportamentos e diferenças de gênero E RAÇA, foram alvo de muitos debates, mesas, seminários e livros. A questão não é ter ou não fundamento biológico: é reconhecer que o fundamento biológico para quaisquer diferenças pode não ser o fator ontológico relevante. Ou seja: se colocamos mulheres e homens, tudo bem padronizadinho, numa maquina de ressonância magnética de campo aberto e submetemos um enorme grupo experimental a certos desafios cognitivos, a forma de resolver EM MÉDIA dos homens será diferente da das mulheres. A pergunta que fica é: quem veio primeiro, o ovo social ou a galinha neuro-histo-química? É diferente. É o mesmo dilema de muitas das consideradas “desordens mentais”. Sim, é biológico. Mas quem veio primeiro, a privação de afeto na infância ou a atrofia de zonas cerebrais em dependentes químicos? Estas perguntas não estão respondidas. É possível que haja diferenças biológicas e eu não vejo isso como nada ruim. Se de fato existe uma leve preponderância, de cerca de 70%, a formas de solução de enigmas de uma maneira ou de outra em homens e mulheres, show de bola! Isso quer dizer que faz sentido que os problemas sejam resolvidos coletivamente, pois diferentes pessoas terão arquiteturas cognitivas diferentes para resolver os problemas. O que prova o que já sabíamos: somos uma espécie social, que necessita de cooperação para resolver coisas. O problema não é esse: é criar hierarquias entre os problemas ou suas formas de resolução. O que de fato foi iluminado pelas pesquisas não é que homens são lógicos e mulheres empáticas: isso é BULLSHIT. É que ambos são lógicos, OBVIAMENTE. Mas a arquitetura cognitiva pode variar e prepondera estatisticamente de uma maneira ou em outra em cada sexo. No entanto, isso é apenas uma constatação factual – não há nenhuma dica sobre sua CAUSALIDADE (o ovo ou a galinha). Deu pra entender?

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