Aspectos ocultos do preconceito (2): a marginalidade científica da hipertrofia muscular

Esse posting não teve nenhum planejamento: é consequência de uma constatação que acabo de fazer como resultado de uma busca na literatura científica por publicações na temática “periodização de treino de força”. Como fiz essa busca em revistas especializadas em treinamento de força, naturalmente todos os resultados deveriam referir-se a planejamentos nesta modalidade de treino. Pois bem, constatei que, mesmo nas comunidades científicas voltadas ao treinamento de força, a hipertrofia muscular e mesmo a força são sempre secundárias em relação a um outro objetivo ou objeto, mais “nobre”. Nesse caso, das “teorias de periodização”, me dei conta de que se trata de uma temática e área de pesquisa (se é que chega a tanto) fundamentalmente associadas à preparação esportiva.
Como eu estava fazendo a busca para uma discussão num forum de bodybuilding, percebi que os modelos de periodização que apareciam nos artigos eram inadequados aos objetivos do meu público, já que a hipertrofia, que é o objetivo do esporte, era apenas uma das fases dos meso-ciclos propostos. O objetivo final era sempre “explosão”, ou “potência” ou até mesmo “força” – nunca volume muscular.
Então lembrei de uma conversa que tive com um amigo acadêmico da área de Educação Física. Eu recém começava a treinar e me interessei sobre certos aspectos das técnicas de execução dos exercícios, coisa que não conhecia nem sob o ponto de vista anatômico, nem biomecânico, nem fisiológico. Ele me disse que era difícil dar uma resposta precisa ao que eu perguntava, já que era necessário saber para que objetivo aquele exercício estaria sendo executado. Eu fiquei confusa, não soube o que responder. Ele então continuou e disse que dependia, por exemplo, se se tratava de um tenista que precisava desenvolver força em tal ou tal movimento, ou num jogador de volei, ou num paciente em recuperação, e finalmente acrescentou: “a não ser que seja simplesmente a força pela força” (acompanhado de algo como “o que não faz sentido”, ou “o que não é adequado”, enfim, alguma coisa desqualificando o objetivo). A idéia toda era de que força tem que “servir para” alguma coisa. Volume muscular idem.
Na hora não me veio nada na cabeça para dizer, mas depois pensei com meus botões: “e a velocidade pela velocidade, para que serve? E a explosão do salto?”. E conclui que eram condições perfeitamente análogas. Que correr 100m em 9,77 s serve para tanta coisa quanto ter 55cm de braço. São apenas expressões de alta performance em diferentes capacidades funcionais humanas. Por que uma seria mais desejável ou justificável que outra?
Então entrei nos sites de elite do bodybuilding mundial. Achei inúmeros protocolos de periodização de treino avançado, que era o que interessava. Percebi que essa comunidade fazia com teoria de treino o mesmo que fez com nutrição esportiva: abandonada pelos cientistas e médicos, desenvolveu, segundo seus próprios métodos, um conhecimento prático bastante sofisticado. O qual, tenho certeza, um dia, terá que ser adequadamente configurado para experimentação e observação científica, certamente com mais de uma década de atraso, devidamente proporcionada pelo preconceito.

Marilia


BodyStuff

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima