Eu escutei, juro que escutei, o Leo gritando o comando “press”. Então eu empurrei a barra que pesava 107,5kg e ela subiu sem peso. Eu vi o vídeo, eu juro que vi, e não tinha peso. Talvez um dia eu ache esse peso fácil, mas naquela hora, foi o maior que eu já tinha feito e foi o maior que qualquer mulher fez na minha categoria de peso no continente.
Campeonato Sulamericano de Supino e Powerlifting, ASUPO, 6-10 de outubro de 2011, Villa Maria, Cordoba. Eu, 105kg na barra, Leonardo Cavaglia como árbitro central.
Mauro tinha dito “um regalo, Marilia, este es un regalo para ti”. Un regalo e tanto, foi. Sete de outubro de 2011.
Dois dias depois eu sentava na cadeira que o Leo tinha ocupado e, na minha frente, estava o mesmo Mauro que me propôs o “regalo”. Entrou embaixo da barra e agachou com 380kg. Fui eu que dei o comando “squat” e “rack”. Meu coração deve ter pulado uma batida naquela fração de segundo em que começa a subida do agachamento, para depois bater rapidamente. Foi a maior emoção que eu tinha vivido até então no esporte em geral.
Campeonato Sulamericano de Supino e Powerlifting, ASUPO, 6-10 de outubro de 2011, Villa Maria, Cordoba. Mauro Spinardi, 380kg agachamento, recorde mundial.
Ela seria superada em dezembro, quando eu sentava em outra cadeira, lateral, com o interruptor de luzes na mão e vi, com estes olhos que agora olham uma tela sem graça, o Mauro agachar com 395kg em Atlanta. E eu chorei.
Campeonato Mundial de Supino e Powerlifting, GPA, 1-4 de dezembro de 2011, Atlanta, USA. Recorde mundial histórico, Mauro Spinardi, 395kg agachamento.
Em janeiro, não sonhava com nada disso. Eu tinha ido para Peruibe para “dar uma força” num campeonato de Strongman que o Mohai organizava. Ele me pediu para arbitrar e eu carregava um cronômetro. Então eu vi o que me escapou em todos os vídeos: a aceleração da bola. Mohai arremessou uma bola de 160kg e eu vi a bola acelerando. Pensei: peraí, como é que é isso?… Eu estava fisgada: a partir daí, eu respiraria, pensaria e comeria Strongman 24 horas por dia.
Marcos Mohai, 3a etapa do Campeonato Brasileiro de Strongman, tri-campeão brasileiro. Peruibe, 21 de janeiro de 2011.
Passei a noite arbitrando, socando gente, pois 5 mil pessoas se apinhavam sobre os atletas, e enfaixando a perna arrebentada daquele cara grande que se tornaria meu amigo mais visceral, mais parte de mim: Mohai.
Naquele inferno quente de janeiro, eu não podia imaginar que em novembro nós teríamos colocado o Strongman na mídia nacional e criado interesse geral sobre o esporte. No feriado mais vivo do dia dos mortos, presa na Imigrantes congestionada, indo para Peruibe, meu celular tocou e ouvi um Mohai alarmado dizendo: “você já saiu de São Paulo? A gente vai ter que voltar para gravar na Globo!”.
Esporte que em junho era a única coisa que me animava, num cenário triste da força no Brasil. Eu tinha lançado meu livro De Volta ao Básico: Powerlifting num evento que me fez questionar mais ou menos tudo, sempre cercada de oportunismo e crueldade. Mas dois dias depois, Silas me encontrou numa pracinha no Alto de Pinheiros trazendo dois kettlebells. Me apaixonei pelos kettlebells. Não acho que registrei as várias propostas que o dono dos kettlebells fez e que só agora vingam, pois finalmente eu escutei.
O mesmo Silas que chegaria na powerhouse com o Dondo, botando ordem no pedaço: “você tem uma hora e meia para treinar, já fez o mapa?” Era o dia do lançamento do meu segundo livro, Estética e Saúde, e eu ali, de short, camiseta, suor e magnésio, ignorando tudo. “Não senhora, se você não tomar banho agora não vai chegar no Bixiga a tempo”. Eu tinha que fazer 90% e sustentação, Villa Maria era prioridade.
O Leo (outro Leo) chegou e me levou, o lançamento foi até 23h num debate surreal, revezamento de pessoas e idéias.
Rodolfo Peres e Paulo Muzy, meus brothers inseparáveis, no lançamento do meu livro em agosto de 2011, Editora Phorte.
O tempo todo emergiam as coisas que tinham saído na famosa entrevista da Trip de fevereiro, que mudaria minha vida, me traria novos admiradores e muitos inimigos. A entrevista da Trip que me afastaria definitivamente da escória oportunista da pseudo-esquerda brasileira e me aproximaria de jovens feministas, pensando com muito mais leveza a condição feminina. Vevê, Jeanne e companhia.
Enquanto isso, minha mãe caia, meu pai caia e caiam os véus da hipocrisia em torno das opções do meu irmão Laerte. “Afinal, qual é a do seu irmão, hein?”, me perguntam todos até hoje.
O mundo virava do avesso e eu fugia para a Crossfit para levantar peso. Num certo momento, achei que meu negócio era mesmo Levantamento Olímpico e mais nada. Amigos me apoiavam: “você só tem aborrecimentos no powerlifting, largue mão e fique só com o Olimpico, que você gosta e é boa”. Joel não dizia nada sobre isso, apenas me ensinava e ensina sua arte.
Primeiro treino (de verdade) de LPO na Crossfit Brasil. Depois disso, sempre. Abril? de 2011. Não sei.
Joel Frigman na Crossfit Brasil, meu técnico de LPO.
Não vou largar o powerlifting, mas definitivamente já fui para o Levantamento Olímpico. Junto. Tudo junto.
Tiago fez 205kg nos jogos da Crossfit e eu pensei, olhando aquilo: “essa galera querendo fazer terra e supino e eu querendo fazer arranco e arremesso… olha que louco”. Tiago, que entrava na powerhouse dando esporro nos dias que só vinha me ajudar a agachar. Sem ele não haveria Villa Maria ou Atlanta. Sem ele não haveria recorde.
Perto de 2011, os anos anteriores parecem rarefeitos, mas não foram. Tudo que aconteceu este ano veio evoluindo de antes. Meu primeiro kettlebell foi o Rafa que me deu em 2010. Em 2009 eu arrebentei o joelho agachando e mais uma vez meu amor pelos pesos me salvou de dores físicas e de alma. E tudo que eu publiquei este ano foi escrito nos anos anteriores.
Meu KB de 12kg que o Rafael Susigan me deu. Mora na minha powerhouse.
São anos incríveis, anos selvagens, anos inesquecíveis. Anos cheios de fatos marcantes, daqueles que já sabemos que serão eternos no momento em que acontecem. Anos povoados por pessoas incríveis.
Anos marcados pela Força e pelo Amor, que são, eu sempre digo, a mesma coisa.