Estou em casa descansando para amanhã competir num evento pequeno, o campeonato brasileiro de supino da ANF-IPL, a caminho de um bem maior: o Global Bench War, um campeonato internacional de supino que ocorre em Detroit.
Enquanto espero, converso com um amigo geofísico sobre a cadeia de inovação. Aquela que vai do laboratório até a mão do consumidor, com um serviço ou produto mais eficiente, econômico, saudável ou produtivo.
Há duas maneiras de pensar o apoio à ciência “pura”, a arte “pura” e ao esporte “puro”. Coloquei em parênteses porque estas expressões sempre me fizeram pensar no sentido dos antônimos: o que seria uma ciência impura? Contaminada, Uma arte com molho branco? Um esporte manchado?
Para nós, sociólogos, esta dicotomia não existe. Existe a ciência feita em contexto aplicado ou não aplicado. A arte realizada como meio para uma finalidade aplicada ou a arte que dialoga com seu próprio campo de praticantes. Mas o esporte fica órfão. O esporte “aplicado” é considerado, por muitos, o esporte-espetáculo. A grande função social do esporte seria entreter os não-atletas.
Eu penso diferente: o papel do esporte de alto rendimento é exatamente o mesmo da ciência e da arte erudita. Todas estas três atividades geram bens simbólicos que os não iniciados (os não cientistas, não artistas e não atletas) não têm como consumir. No entanto, estes bens são convertidos, ao longo de uma cadeia de agentes, em bens altamente consumidos por todo mundo.
O esporte gera saber em treinamento para todas as finalidades. É a partir de conhecimento adquirido no esporte de alto rendimento que se entende mecanismos fisiológicos universais e se pode planejar melhores formas de ajudar a população a adquirir condicionamento, força e reabilitação.
É também pelo estudo do NOSSO esporte de alto rendimento, o powerlifting, que se compreendem os padrões básicos de movimento humano perdidos ao longo de nossas vidas com cadeiras e posturas agressivas.
Bastariam os pesquisadores do movimento humano para gerar este saber? Não. Se há um aprendizado que tivemos ao longo das últimas décadas é a de que o saber no campo do treinamento apresenta uma defasagem de tempo em desvantagem para a ciência. Os insights e sínteses vêm da chamada “linha de frente”, onde a alta performance acontece. É da aproximação entre estas duas formas de entendimento que conseguimos gerar conhecimento útil a toda a sociedade. É o que a National Strength and Conditioning Association chama de “bridging the gap between science and practice” (fazendo a ponte sobre o abismo entre a ciência e a prática).
A Aliança Nacional da Força pode fazer isso. Entre nossos melhores atletas, temos vários acadêmicos e mantemos diálogo permanente com a comunidade científica. Nisso temos seguramente a vanguarda e praticamente o monopólio, em comparação com outras organizações.
A nossa desvantagem é que nossa absoluta independência, nossa total auto-suficiência e exclusão de qualquer benefício governamental, nossa composição de gestores que doam tempo e trabalho voluntário e não tem nenhuma remuneração, nossa repulsa por negociação de interesses escusos nos faz financeiramente frágeis.
Enfim, vivemos duros e dependemos de três coisas:
- Que nossos atletas assimilem o conceito de cooperativa e entendam que só terão este ambiente específico (bem regrado, limpo, correto e internacionalmente integrado) se contribuírem com grana e outras formas de participação
- Que as pessoas que conseguem entender a cadeia da inovação a partir deste esporte tão minimalista se sensibilizem com os benefícios que podemos gerar e façam contribuições financeiras
- Que empresas com uma visão mais estratégica entendam que, apesar do pequeno número de espectadores e do fato de não termos garotas semi-nuas desfilando para a TV em nossos eventos, somos fortíssimos formadores de opinião e provavelmente exercemos mais influência sobre o consumidor de produtos altamente tecnológicos (como whey, tênis, celulares, automóveis, carne, produtos orgânicos, etc.) do que um par de silicones.
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