Olhei minha linha do tempo e refleti sobre as dificuldades que todos – os de dentro e os de fora – temos para lidar com a humanidade da pessoa atleta.
Os de fora vivem desde versões amenas até extremas de uma forma de perversidade. A relação perversa em questão é a ambivalência em relação à excelência especializada. Explicando: aquele que se vê como “comum” numa sociedade que torna a excelência opaca, ao mesmo tempo que uma comodity a ser comprada através de recursos falsos, assume que tal condição está fora de seu alcance. Ele nunca saltará tão alto, levantará tanto peso, correrá tão rápido. Assim, ele admira e inveja, ama e odeia a pessoa atleta que o faz.
A situação mais trágica desta manifestação é a “antropofagia olímpica”, que descrevi em outra ocasião (Atropofagia olímpica: a grande orgia internacional onde o prato principal é o atleta) .
Os de dentro, por buracos na alma que deixo os amigos psicólogos refletindo, por falhas de caráter que deixo como lição de casa para todos nós (em que esquina o cara perdeu o tal caráter?…), muitas vezes se colocam como heróis, mártires ou super-homens.
Frases grandiloquentes abundam nas mídias sociais:
“Os gladiadores dos tempos modernos” (sério mesmo? Alguém sabe o que foram os gladiadores?)
“Lutar até a morte” (sério mesmo? Alguém estudou o ethos da morte honrosa nas situações de guerra endêmica na Asia medieval?)
“ No pain, no gain” (essa é idiota e eu sugiro a leitura do meu artigo: No pain, no gain: por que isso é realmente idiota)
“Só os fortes sobrevivem” (sério mesmo? Então as notícias são enganosas porque mortes entre atletas modernos em situação de jogo são raríssimas)
O problema é que superar as contradições que levam aos dois lados desta perversidade requer mais que psicologia esportiva: requer um nível de saúde mental generalizada que não temos. Nossa sociedade é um caldo de cultura de relações perversas e potencialmente letais. Se não isso, certamente mutilatórias, para todos.
Triste e sem solução, infelizmente.