Educadores Físicos e Provisionados – um conflito sem horizonte de solução

A regulamentação das profissões é algo de história relativamente recente nas sociedades industriais. Começou com as profissões mais institucionalizadas, como a medicina e o direito. No nosso país, a única profissão que requer um exame de ingresso para credenciamento é o Direito. Os representantes mais proeminentes da medicina discutem a instauração de exame análogo para a prática da medicina, mas isso não é consensual. Em outros países, como os Estados Unidos, praticamente todas as profissões são regulamentadas, fiscalizadas por órgãos representativos e impõe um duro exame para a obtenção do credenciamento.
Existem duas questões imbricadas aí: o corporativismo e a tradição de litígio. Ao longo da história das profissões, os campos profissionais desenvolvem determinadas dinâmicas internas – códigos, hierarquias, sistemas de legimimidade – e externas – a luta por um espaço social. Essa última implica em delimitar um campo de atividades e cercá-lo de proteções legais contra praticantes de “fora” do campo. Assim nasceu a secular luta contra o “quackery”, ou charlatanismo, na medicina.
Todas as profissões tendem a lutar por esse monopólio do exercício profissional.
A outra questão é a tradição de litígio. Os Estados Unidos são o país mais sectário, violento e litigioso do mundo. Tudo se transforma em litígio. Assim, a tendência corporativista ganhou impulso extra pela tradição de litígio, já que a regulamentação estabelece as bases legais para o litígio contra praticantes, para a defesa dos praticantes e para a luta entre praticantes de uma determinada profissão.
Se médicos e advogados têm monopólio sobre as práticas relacionadas, seria natural esperar que os educadores físicos também obtivessem monopólio sobre tudo que diz respeito a ensinar ou prescrever atividade física.
Como os Conselhos Regionais de Educação Física foram, eles mesmos, regulamentados muito recentemente (alguns em 1997, outros em 1998), decidiu-se oferecer aos profissionais que já ensinavam e prescreviam atividade física, nas suas respectivas modalidades, direitos quase iguais aos dos educadores físicos graduados através do sistema de CREDENCIAMENTO PROVISIONADO, desde que o profissional demonstrasse ter exercido a profissão há um determinado tempo.
Isso criou um conflito aparentemente insolúvel entre Efs graduados e provisionados.
Os Efs em geral compartilham um discurso cujo argumento é que esse sistema representa um enfraquecimento da profissão, já que os provisionados têm uma formação muito mais limitada que a deles e não teriam condições de oferecer um serviço da mesma qualidade. Com isso, desvalorizariam todo o mercado da área.
Os provisionados, em geral, não dão muita bola e nem têm muito respeito pela profissão de EF (caso contrário, procurariam obter o título). É muito comum ouvir deles que a EF, como carreira, é mesmo desprestigiada e a formação do profissional é muito precária. Além disso, em suas áreas específicas, sentem que os Efs têm péssimo desempenho e que o conteúdo curricular está mediocremente aquém dos avanços do conhecimento no esporte.
O problema é que ambos têm razão.
Na área específica com a qual eu tenho mais intimidade, que é a musculação, não tenho dúvidas em afirmar que o ensino superior é muito deficiente, mesmo nas melhores universidades. O conteúdo oferecido aos estudantes está infinitamente defasado em relação: 1. ao que é pesquisado nos centros universitários de primeiro mundo; 2. ao conhecimento técnico partilhado pelas comunidades de praticantes (técnicos e atletas). Isso, por um lado, deixa o jovem profissional inseguro nas situações práticas e, em segundo, mais inseguro ainda quando confrontado pelo sujeito de “linha de frente”, o profissional que está há mais tempo no mercado e se aprofudou no conhecimento específico de seu esporte.
O provisionado, por sua vez, às vezes conhece todos os protocolos para suplementação pós-treino, mas não tem muita autonomia para tirar suas próprias conclusões sobre conhecimento novo que envolva coisas básicas, como por exemplo as vias de utilização de gordura no organismo. Afinal, há ou não há síntese de glicose a partir de ácido graxo? Faltou um bom curso de bioquímica. Mas… Também faltou um bom curso de bioquímica aos Efs, que têm dificuldades idênticas.
Mas não deveria faltar!
A solução que os Conselhos encontraram para as deficiências de formação dos provisionados é consensualmente inadequada: criar cursos obrigatórios e oferecer um menú de opções de instituições credenciadas para ofertá-los que só encheu os bolsos dos dirigentes das escolas privadas. No fundo, estendeu-se aos provisionados o “privilégio” da formação básica precária dos Efs.
Num cenário ideal, a Educação Física seria suficientemente valorizada e forte para atrair os jovens interessados em esportes específicos; os programas universitários ofereceriam o melhor do conhecimento disponível para os estudantes; os estudantes teriam como obter seus títulos e credenciamento através de programas flexíveis e voltados a seus interesses; os profissionais contariam com uma proteção corporativa; e o cidadão contaria com uma proteção da qualidade da prestação de serviços profissionais.
Até lá, não vejo nenhum fim para este conflito.

Marilia


BodyStuff

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima