O que eu chamo de “maromba” aqui é uma cultura específica: aquela formada em torno da partilha da prática do treinamento de força “pesado” ou “para valer”. Os membros dessa cultura podem ou não ser atletas competitivos dos esportes relacionados a esse treinamento: o fisiculturismo (bodybuilding), o levantamento básico e o levantamento olímpico. Alguns autores caracterizam isso tudo como “bodybuilding” e a cultura associada, o “estilo de vida bodybuilder”. O bodybuilding, assim, seria mais abrangente do que o esporte competitivo praticado sob as federações amadora e profissional (nabba e ifbb).
Ao contrário dos praticantes de “handbol” ou “natação”, que não são unidos por uma cultura específica – entendendo cultura como um sistema de valores, de símbolos e atitudes auto-referenciado -, a maromba é bem mais do que o gosto por uma atividade física. Ela constitui um estilo de vida.
Nos demais esportes, a adesão do participante é centralizada no treinamento e prática do próprio. No treinamento de força não: ênfase quase idêntica é dada ao treinamento, à dieta e ao repouso (ou hábitos complementares). Assim, o estilo de vida marombeiro é constituido pelo conjunto dos hábitos e comportamentos que otimizam o ANABOLISMO (ou ganho de massa muscular) e minimizam o CATABOLISMO (perda ou destruição de massa muscular). A socialização dos membros dessa cultura é proporcional ao seu domínio dos conceitos básicos sobre anabolismo, da forma popularizada pela cultura, e pela precisão em respeitar seus princípios.
Assim, tudo que é anabólico é “bom” e tudo que é catabólico é “ruim”.
O que tenho observado nesses últimos meses de contato muito frequente com adolescentes e jovens adultos em diferentes graus de socialização na cultura da maromba é que eles experimentam com conceitos e hábitos até se estabilizar numa determinada rotina. Até lá, vivem conflitos com “tentações catabólicas”, como bebida e vida noturna intensa, e lidam com surtos de “obsessão anabólica” e “obsessão anti-catabólica”. Mais de um garoto me perguntou se sexo é catabólico, por exemplo. Quando eu respondo que sim, porque viver é catabólico, sinto que de uma certa forma eles relaxam e ganham um limite para a obsessão anti-catabólica. O Carnaval foi um período de grande ansiedade para muitos deles, já que sabiam que iriam participar de baladas e situações… catabólicas! E queriam saber como prevenir danos e combater os resultados inevitáveis.
Ao longo dessa gangorra de atitudes, eles acabam adquirindo uma disciplina pouco usual para a faixa etária. Ao contrário de auto-restrições morais, do tipo daquelas impostas por sistemas de crenças religiosos, essa disciplina não parece ansiogênica. Ao lado da ênfase em alimentação “saudável”, os jovens se sentem estimulados a um comportamento sexualmente intenso e a valorizar a performance no treino como fonte de prazer. E isso é positivo.
Claro que o aspecto da regulação fisiológica da ansiedade e da depressão, pouco estudadas mas bastante conhecidas dos atletas, não pode ser desprezado. Eles se sentem melhor não apenas porque as auto-restrições não geram ansiedade, mas porque, de maneira geral, seus organismos se tornam mais resistentes a stress.
Finalmente, como stress é o grande vilão do anabolismo, o jovem atleta tem especial preocupação em não ser atingido por eventos e situações estressantes. Procura se controlar especificamente para não permitir o desencadeamento dos efeitos catabólicos do stress. Quase que “enxerga” seu próprio cortisol e faz tudo para manter o controle em situações potencialmente tensas.
Embora de forma alguma eu procure ignorar o uso estabanado de esteróides por uma parcela desta população, de maneira geral, ela desenvolve um estilo de vida que oferece instrumentos aos jovens para resistir a comportamentos de risco. Por “comportamentos de risco”, me refiro, aqui, àqueles ligados ao consumo descontrolado de drogas recreativas (todas muito “catabólicas”…), às atividades que desorganizem a rotina diária e à má alimentação. Marombeiros são disciplinados e isso é um valor.
Marilia