Um dos temas sobre os quais tenho escrito bastante, e sobre o qual me preparo para meu 6º livro (3º na “nova encarnação”), é a loucura. Assim como Kay Jamison, mas numa perspectiva quase que antagônica a esta fantástica autora, eu escrevo sobre a loucura “de dentro”. É o que poderíamos chamar de uma “insider view” qualificada.
A construção social da loucura e sua estigmatização têm sido objeto de estudos e ensaios de autores dos mais diversos campos – da psicologia clínica à antropologia. Um consenso, no entanto, une todos os intelectuais com contribuições relevantes: o de que a loucura é uma instituição de seu tempo e o de que é um espaço social de exclusão. A desqualificação do discurso do louco é um item da agenda política e cultural relativamente recente, do ponto de vista histórico.
Não é novidade, entre os pensadores críticos, a desconstrução desta exclusão e da desqualificação do discurso do louco. A própria Jamison, ela mesma defensora de uma abordagem medicamentosa à loucura, tem como uma de suas mais importantes obras o mapeamento dos gênios artísticos loucos da civilização ocidental. Segundo seus levantamentos, a desordem maníaco-depressiva (também conhecida como desordem bipolar) é sete vezes mais frequente entre estes pensadores do que na população em geral.
Loucura, em diversas narrativas, seja pelo elogio ou discriminação, é sinônimo de comportamento desviante. Vem daí a máxima “o outro lado do gênio é o louco”.
É senso comum que o cidadão médio, reprodutor dos discursos dominantes, automaticamente recorre ao termo “louco” para desqualificar o discurso ou comportamento de alguém desviante.
O que é pouco óbvio, é que ser desqualificado pelo “cidadão comum”, o sujeito médio, reprodutor de todos os preconceitos culturais, religiosos, de gênero e políticos (portanto, da mediocridade) é, para um intelectual que conscientemente valorize o aspecto desviante e vanguardista de sua produção, um elogio.
Assim, chamar alguém de “louco”, muitas vezes é elogiá-lo. Se a vítima do xingamento for alguém com um nível educacional mais alto, quase seguramente é elogio.
Vamos para o qualificativo “puta”. Puta designa a profissional do sexo. Em muitos países, a prostituição é uma profissão regulamentada. O xingamento “puta”, no entanto, raramente diz respeito à identificação de uma profissional do sexo pago, e sim uma forma de desqualificar uma mulher fazendo referência a seu comportamento sexual livre.
Ora, assim como o xingamento com a expressão “louco”, chamar de puta uma mulher educada, consciente dos preconceitos de gênero e quanto a conduta sexual, é elogia-la: trata-se do reconhecimento ressentido e diminutivo desta superioridade do comportamento livre. Ser chamada de puta tem um sub-texto: “sou uma pessoa sem essa liberdade e me sinto ofendido, ressentido e excluído do universo de prazer sexual do qual essa mulher goza contra meus princípios morais e religiosos”.
Em resumo, ser chamada de puta e louca é um tremendo elogio para as mulheres fodonas.