Se você não sabe algo (e o que isso tem a ver com aprender e ensinar FORÇA)

Ao ser confrontado com uma pergunta sobre algo que você não sabe, você tem várias opções. Se for de um desconhecido que você nunca mais vai ver na vida, é fácil ser honesto. Quantas vezes perguntaram “que horas são?” para você na rua e você respondeu “não sei, estou sem relógio, desculpe” ? Provavelmente muitas.

Se for seu filho, depende da idade dele, do seu estilo de ser “páái” ou “main” e da sua auto-estima. Quem é pai ou mãe sabe do que estou falando: se você responde “não sei”, muitas vezes é recebido com um olhar que combina frustração, decepção e impaciência (e, claro, se você já está meio deprimido, vai se sentir um bosta que não consegue nem suprir as demandas cognitivas básicas da sua cria).

Se for do seu aluno, mesma coisa. Infelizmente, a maioria dos meus colegas se apega a alguma noção, gerada sei lá onde, de que ser professor implica em saber responder qualquer pergunta. Como isso é impossível, a reação diante da pergunta para a qual o professor inseguro não tem resposta varia entre enrolar, desprezar (“isso não é relevante e não tem nada a ver com o assunto”) a punir o pobre aluno em dúvida.

Se for uma pergunta nascida numa roda de conversa entre conhecidos e os conhecidos (e você também) forem homens jovens, 86,4% de probabilidade da pergunta ser rapidamente respondida com diversos graus de desonestidade: do chute deslavado às adivinhações educadas (educated guess).

Na área do treinamento desportivo, os fóruns digitais são material perfeito para estudos de caso em chutometria auto-afirmativa. Aliás, se houver um estudante de antropologia interessado, fica a sugestão para um mestrado show de bola.

Vem um coitado e pergunta “como melhorar meu arranco”. O último a responder será o técnico ou atleta experiente em levantamento de peso. Antes disso, vários especialistas de youtube darão dicas importantérrimas. Se o técnico ou atleta experiente demorarem, é bem capaz inclusive de entrarem em atrito, disputando quem tem o maior pênis, digo, a resposta mais precisa.

Falando sério: isso é ridículo. Não tenho filhos homens, mas eu teria uma imensa vergonha de saber que um hipotético filho homem meu tivesse esse comportamento inaceitavelmente patético.

Para poupar o jovenzinho (ou não tão jovenzinho) com coceira no dedo para participar destes concursos de mijo à distância digitais, vão aqui algumas orientações que dou, generosamente, na qualidade de professora, mãe, técnica, atleta e pessoa com o Setocômetro calibrado e que toma sua dose diária de Semancol.

Se você não sabe a resposta para uma pergunta, suas alternativas são:

  1. Não digitar NADA. Em geral essa é a melhor alternativa.
  2. Se é uma dúvida que você compartilha, escrever: “não sei, mas também gostaria de saber – aguardo que alguém responda”. Assim você reforça a relevância da pergunta e aumenta a chance de alguém que realmente saiba se interessar por responder. Paralelamente, exerce um microscópico efeito inibitório contra a tendência auto-afirmativa dos demais jovenzinhos ávidos por aprovação de grupo.
  3. Se você tem alguma noção e acha que existe uma via interessante e outra não interessante para responder a pergunta, faça uma pesquisa e poste o resultado da mesma, acentuando que é o resultado de uma pesquisa e não algum tipo de revelação divina.
  4. Sugira o nome de alguma pessoa que certamente sabe.

Nunca, jamais, ensine o que você não sabe. Eu já me machuquei feio com um equipamento que hoje manipulo bem porque a primeira pessoa que me “ensinou” não sabia usar. Tinha feito um cursinho de certificação. Cursinho de certificação introduz o tema, na melhor das hipóteses. Não forma treinador.

A verdade é que nenhuma quantidade de cursos e seminários lhe dará condições de saber o suficiente para ensinar. Triste, não é? Mas é a verdade. Somente ANOS de prática como atleta ou técnico é que permitem isso.

Se você está do lado da pergunta e algum sabichão lhe responder, procure saber o currículo dele. Ele é atleta? Há quanto tempo? Quem foi seu técnico? Onde e o que estudou?

Não é atleta? Não é técnico? Não treinou anos sob algum excelente técnico? Então simplesmente ignore o que ele escreveu.

Simples assim.

 

Para não fazer papel de idiota em uma discussão pública, aí vão oito recomendações básicas:

  1. Não responda o que você não sabe
  2. Não ensine o que você não sabe fazer BEM
  3. Mesmo que outra pessoa tenha feito uma pergunta estranha ou boba, JAMAIS desqualifique ou ridicularize quem pergunta. A educação é o primeiro sinal de maturidade e requisito para os maiores de 8 anos de idade
  4. Contribua, se quiser e puder, de forma condizente com o conteúdo da contribuição. Não magnifique sua contribuição porque é ridículo
  5. Se você continua com dúvidas no tema ou se a discussão o levou a ter novas dúvidas, elabore sua pergunta de maneira clara e não como se estivesse desafiando os demais (de novo, “pissing contest”, concurso de mijo ou medida do pênis)
  6. Não apresente uma resposta de um autor ou autoridade externa como se fosse a verdade: nenhum discurso “é a verdade”. Fazendo isso, de novo, você faz um papel ridículo de acreditar em super-herói, Papai Noel e verdade absoluta.
  7. Não ataque, insulte, ofenda ou desafie. Clima hostil é coisa de adolescente ou de adulto com um nível educacional lá no dedão do pé, em relação aos quais você deve o respeito de quem teve mais chances sócio-econômicas de acesso à informação
  8. Não misture as bolas: se você sacar que a pergunta não é pergunta e o tema passou de técnico a político, pessoal, ideológico ou religioso, NÃO ALIMENTE.

 

 

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