O Amor e a falta dele – uma perspectiva fisiológica

Recentemente, pesquisadores têm se debruçado sobre a fisiologia do amor. Cada vez mais é consenso que os primeiros estágios do amor romântico (poucos meses) constituem um estado qualitativamente diferente de outros, do ponto de vista fisiológico e neuroquímico.
A pesquisa mais recente publicada a respeito das respostas neuroquímicas ao amor romântico mostram que ocorre um significativo aumento dos níveis plasmáticos de uma neurotrofina específica: o NGF (nerver growth factor). Essa mesma pesquisa pode demonstrar, além disso, que os níveis plasmáticos de NGF são proporcionais à intensidade do sentimento, avaliada através de uma escala (Emanuele et al 2006).
Em outro estudo, alterações nos níveis dos seguintes hormônios foram medidas: FSH, LH, estradiol, progesterone, dehydroepiandrosterone sulphate (DHEAS), cortisol, testosterone and androstenedione. Os níveis de cortisol se mostraram significativamente mais elevados, enquanto a testosterona aumentou em mulheres e diminuiu em homens (Marazziti & Canale 2004).
Outras linhas de investigação exploram os paralelos entre a desordem obsessiva-compulsiva e os primeiros estágios do amor romântico. Os resultados, que mediram os níveis do transportador de serotonina (5-HT), mostraram que as alterações nos níveis desta proteína são semelhantes nas duas condições (Marazziti et al 1999).
São estes paralelos e comparações com outras condições que mais luz, a meu ver, trazem para o entendimento do fenômeno do amor, especificamente em seu primeiro estágio, também chamado de amor passional ou amor romântico.
Por exemplo: o aumento dos níveis de NGF detectados por Emanuele et al (2006) indicam uma intensa atividade neurológica de preservação e construção do tecido nervoso entre apaixonados. O NGF é uma proteína da família das neurotrofinas, que inclui também o BDNF (brain derived neurotrophic factor), a NT-3 (neurotrophin 3) e a NT-4 (neurotrophin 4). Elas estão envolvidas na inibição do fenômeno de apoptose, que remove células. Estudos post-mortem feitos em cérebros de suicidas demonstram que estes têm comportamento oposto ao dos amantes apaixonados, exibindo uma significativa REDUÇÃO nos níveis de NGF (Dwivedi et al 2005). Assim, se apaixonar é neuroquimicamente o inverso do suicídio.
Outra comparação interessante diz respeito ao papel das neurotrofinas, no caso as BDNF, no comportamento de abstinência de drogas. A “fissura” pela droga parece ser proporcional aos níveis dessa substância (Lu et al 2004). Esse dado combinado com a evidência quanto ao paralelo neuroquímico entre a paixão e a desordem obsessiva-compulsiva parecem explicar a centralidade que o objeto do amor ocupa na vida dos apaixonados durante esse curto período de – eu diria – altíssima auto-intoxicação.
Todas estas evidências sugerem algumas reflexões selvagens e outras nem tanto. Uma delas diz respeito ao fenômeno do fim da paixão. Não digo fim de casamento, ruptura de relação, que são fenômenos variadíssimos, impossíveis de se colocar na mesma categoria para estudo. Digo quando de repente a paixão acaba. Uma das coisas que se poderia esperar seria uma enorme síndrome de abstinência, explicada pelos elevados níveis de neurotrofinas na ausência do objeto de satisfação. A outra seria o comportamento auto-destrutivo, uma vez que caíssem esses níveis, à semelhança dos suicídios.
Ter consciência disso pode ser libertador (para mim é e está sendo). Mostra que essa dor, desconforto e incômodo todo que se segue a uma grande decepção amorosa pode não ser de forma alguma a falta do ser amado e pode até não ter nada a ver com ele. É uma falta do envolvimento amoroso em si. Falta o sentimento que era a usina de um complexo neuroquímico que dava contexto a tudo que sentíamos, pensávamos e fazíamos. Aquela sensação de estranhamento do “dia seguinte” da grande decepção nada mais é do que essa mudança de contexto. Tudo que fazíamos precisa ser reconfigurado, novos sentidos atribuídos aos projetos, objetos e atividades, já que a sopa neuroquímica que coloria tudo mudou.
Mais loucamente, isso explicaria por que algumas pessoas imediatamente substituem um objeto de paixão por outro, como se a pessoa que se ama não importasse. É porque não importa mesmo! Ela está lá para alimentar a usina neuroquímica, mantendo o “viciado” satisfeito.
Faz sentido?
Para mim faz – UFA!
 
 
Dwivedi Y, Mondal AC, Rizavi HS, Conley RR. Suicide brain is associated with decreased expression of neurotrophins. Biol Psychiatry. 2005 Aug 15;58(4):315-24.
 
Emanuele E, Politi P, Bianchi M, Minoretti P, Bertona M, Geroldi D. Raised plasma nerve growth factor levels associated with early-stage romantic love. Psychoneuroendocrinology. 2006 Apr;31(3):288-94. Epub 2005 Nov 10.
 
Lu L, Dempsey J, Liu SY, Bossert JM, Shaham Y. A single infusion of brain-derived neurotrophic factor into the ventral tegmental area induces long-lasting potentiation of cocaine seeking after withdrawal. J Neurosci. 2004 Feb 18;24(7):1604-11.
 
Marazziti D, Akiskal HS, Rossi A, Cassano GB. Alteration of the platelet serotonin transporter in romantic love. Psychol Med. 1999 May;29(3):741-5.
 
Marazziti D, Canale D.Hormonal changes when falling in love.Psychoneuroendocrinology. 2004 Aug;29(7):931-6.
 
Marilia

BodyStuff

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