Decisões. A vida é cheia delas, não é mesmo? Na verdade, é um pouco mais que isso. A vida, ou qualquer “estado de coisas” numa sociedade, é produto da combinação entre o estado prévio, o acaso e o arbítrio, ou seja, decisão.
Passar mal com o calor insuportável dos verões destes últimos anos é produto do estado prévio. Existe um aquecimento global, o curso dos útimos anos é este, não é uma decisão e nem é fortuito: há uma história climática que fez deste o “estado prévio”.
A queda de um meteorito com metais raros no capô do automóvel sucateado de uma família pobre é um evento fortuito (do acado) que fará dela milionária. Ser abalroado por um caminhão desgovernado numa estrada com neblina é um evento fortuito.
Isso tudo parece muito óbvio até que examinamos com detalhes cada situação. O caminhão pode ter se desgovernado porque o motorista estava bêbado ou porque uma peça quebrou repentinamente. Esta peça pode ter quebrado por negligência da empresa que a fabricou ou porque uma em cada 100.000 delas quebra mesmo, é característica do material e do fenômeno.
Assim, poderíamos dizer que em qualquer momento da vida, temos um estado prévio (também chamado de contexto) que é uma pré-condição: nada podemos fazer em relação a ele. Também temos o acaso, sobre o qual obviamente nada podemos fazer. Finalmente, temos o reino do arbítrio.
Em qualquer sociedade, mais ou menos complexa, os indivíduos têm uma certa dose de poder decisório sobre questões que lhes dizem respeito. A outra parte foi delegada a instâncias de tomada de decisão, a maior parte delas residente sob o guarda-chuva “Estado”. De uma maneira muito simplista, viver em sociedade implica em abrir mão de uma certa quantidade de decisões, que passam a ser da esfera de outros ou de algo não pessoalizado.
Por exemplo: numa estrada, há uma mão que vai e outra que vem. Foi decidido assim. Você não pode decidir usar uma delas em sentido contrário. Para garantir que mesmo que você queira decidir, isso seja impossível, há, em geral, uma barreira mecância entre uma e outra. Essa decisão foi tomada por você, para você, por outras pessoas, você não participou e é assim que funciona.
Sociedades mais simples não são menos arbitrárias: podem ser mais. Por serem mais simples, os mecanismos de coerção são mais eficientes.
Numa sociedade moderna, complexa, sob governo democrático, existem inúmeras decisões que competem ao indivíduo. E é aí que entra o marketing, ou discurso persuasivo institucional, para ganhar a sua decisão. Você conhece essa palavra para indicar as atividades que produzem publicidade comercial. No entanto, todas as instituições produzem um discurso de persuasão para influenciar sua decisão pessoal. A sua decisão tem um valor muito maior do que você imagina que ela tenha. Todos lutam por ela.
As igrejas lutarão para persuadí-lo que homosexualismo é uma coisa pecaminosa (portanto ruim), anti-natural e errada. Você está sendo fortemente persuadido a tentar reprimir seu desejo, caso ele seja um desejo homosexual.
Os partidos tentarão persuadí-lo todos os dias a tomar uma decisão em seu favor, apoiando ou rejeitando alguma decisão, votando em determinados candidados, os quais, nos anos seguintes, tomarão decisões em seu nome.
Os grandes nichos industriais tentarão persuadí-lo a adotar um comportamento condizente com as necessidades de lucro de suas empresas.
No que tange o seu comportamento alimentar, você será objeto de uma luta de interesses opostos: de um lado, a indústria alimentícia e farmacêutica têm interesse num comportamento obesogênico. Você precisa comprar mais Big Mac, mais coca-cola, mais sorvete, mais tudo que eventualmente produzirá, na dose e frequência adequada, sobrepeso e obesidade em você. A indústria farmacêutica tem interesse nisso para vender mais e mais produtos emagrecedores.
A indústria da beleza vende a você a formolatria – a entronização de uma forma ideal não humana que corresponde a padrões magros. Ela venderá a magreza, a pele lisa, e uma série de outros quesitos para a beleza padronizada. Isso aparentemente conflita com o discurso persuasivo da indústria alimentícia de fast food. Mas só aparentemente: é justamente a pessoa que se ajusta menos ao padrão formolátrico que essa indústria tem como foco.
A maior parte da literatura enfatiza como tais padrões determinam o comportamento individual. Outra parte da literatura médica dá ênfase aos fatores genéticos da obesidade. Os trabalhos publicados deste segmento são mal lidos: existem fatores genéticos que predispõem indivíduos a maior ganho de peso, mas não determinam que isso ocorrerá caso os demais fatores ambientais não existam. Não é como gene para olhos claros: independente do ambiente, os olhos da criança serão claros. Ou de hemofilia: independente da dieta do indivíduo, ele será hemofílico.
Além disso, a literatura sobre genética da obesidade, tão frequentemente utilizada para isentar o indivíduo de poder decisório, só pode ser apreciada à luz dos aspectos evolutivos desta condição.
Se até mesmo curvas recentes mostram aumento na incidência da obesidade (últimos 30 anos), se é sabido que até o século XX a obesidade era rara, qualquer um que raciocine com um mínimo de lógica sabe que os fatores ambientais predominam sobre os genéticos, mesmo que em algumas populações a incidência de determinantes genéticos seja de 4% e em outras de mais de 80%.
A decisão continua sendo sua quanto a como gerenciar esta enorme demanda sobre a sua decisão e também sobre como lidar com sua roleta genética. A decisão sempre é sua e seu maior ou menor acúmulo de gordura, seu maior ou menor condicionamento físico, são resultados de decisões, em última instância, pessoais.
A pobreza rouba poder decisório dos indivíduos, reduzindo em muito as opções alimentares e de atividade física. Quanto mais pobre o indivíduo, menos acesso ele terá a alimentos que não sejam densos em energia, o que, para satisfazer a demanda diária, levará ao sobrepeso.
No entanto, mesmo em condições de pobreza foi demonstrado ser possível uma alimentação menos obesogênica.
E por que isso não acontece? Nem entre muito pobres, nem entre não pobres?
A resposta está na relação entre decisão e informação. Sabe-se que a melhor decisão é diretamente proporcional à disponibilidade, quantidade e qualidade da informação necessária para sua tomada. Uma das ações anti-éticas em publicidade é a disseminação de falsa informação. No entanto, é o que predomina.
O resumo da ópera é que a decisão é sua. Tenha você a genética que tiver, tenha você mais ou menos recursos para obter alimentos de qualidade, a decisão é sempre sua.
Grande parte do processo de empoderamento é tomar consciência de que a decisão é individual e irredutivelmente sua e não da indústria, da família, da igreja, do partido, dos movimentos, da escola ou seja lá de que outra instituição esteja competindo pela sua decisão.
Você escolhe.